Pois bem, toca aí o tema de abertura (assustador, mas ainda acho o da primeira temporada mais horripilante). Por desencargo de consciência vou já avisando que este post fala da segunda temporada como um todo, e portanto está cheio de spoilers, ok? Ok. Então vamos lá. Logo no primeiro episódio fica evidente o que é que eles tinham em mente: é como se cada temporada de American Horror Story fosse uma nova série de terror estreando na tv. Ao entrar em Briarcliff logo fica evidente que agora as regras do jogo mudaram: esqueça as histórias de espíritos presos a uma casa, o horror agora é outro. Na realidade, outros: não se economiza em possibilidades de assustar: ets, médico louco, serial killer, freira sádica. De tudo, um pouco.
São diversas linhas narrativas que apontam sempre para o asilo Briarcliff: a repórter que planeja investigar o local, o rapaz que é internado após acusação de ser o serial killer “Bloody Face”, um médico aproveita a situação dos pacientes (muitos deles abandonados pelos familiares) para fazer experiências assustadoras, etc. É um horror mais psicológico, mas muito mais forte do que o da primeira temporada, porque parece mais real, daquele que poderia acontecer com qualquer um. Digo isso considerando especialmente a história de Lana, que não era louca e foi tratada como todos os outros ali internados (incluindo aí terapia de choque e outras violências horríveis incluindo até uma terapia para que ela deixasse de ser lésbica).
Na realidade, a primeira parte da segunda temporada parece querer ordenar dicotomias para então mostrar que a linha divisória entre um ponto e outro é bastante tênue: o que é ser bom e o que é ser mal, o que é ser louco e o que é ser normal. Tomemos por exemplo o caso da Sister Jude (em uma atuação incrível de Jessica Lange), que nos é apresentada como um verdadeiro monstro, mas que aos poucos parece sair da sombra do antagonismo para chegar ao protagonismo, de tal forma que chega a ter um desfecho extremamente tocante, o que só é possível porque obviamente ela se redime aos olhos do telespectador.
A narrativa é montada de um jeito que parece claramente querer que o telespectador não se sinta confortável, saiba não estar pisando em terreno firme. Seguimos desconfiando de tudo e de todos, num enredo onde uma “boa moça” é capaz de matar o próprio filho. E esse clima de desconfiança é importantíssimo para o modo como a trama é conduzida, porque é o que cria a tensão e, mais importante, permite que quem está assistindo genuinamente fique surpreso com a atitude de alguma personagem, sem pensar “Nossa, que forçado, ele jamais faria isso”. Talvez o que inspire o horror constante na temporada não sejam os corredores escuros de Briarcliff, mas o que a própria Sister Jude diz em determinado momento para Kit:
Tomo como exemplo a cena de abertura do episódio Continuum (S02E12), que mostra Kit retirando um machado de um corpo, e sentando em uma poltrona, o rosto todo ensanguentado. O primeiro pensamento é “Então ele era realmente louco!”, para então a desconfiança apontar Grace (que de fato assassinou os familiares, portanto poderia ter apresentado uma recaída), para chegar então a uma surpresa real quando finalmente sabemos o que de fato se passou naquela cena.
Mas há mais do que isso em American Horror Story. O modo como algumas personagens são desenvolvidas faz com que sua mera presença em tela crie tensão. Dr. Arthur Arden é um deles, já que revela-se um monstro sem qualquer limite, e ao mesmo tempo era a pessoa encarregada de preservar a saúde dos internos. De novo, o choque entre bem e mal: a figura do médico, que vemos como de quem salva vidas, sendo capaz de destrui-las. É dele uma das cenas mais assustadoras da temporada, quando ele mostra o que fez com as pernas de Shelly no terceiro episódio (Nor’easter).
Ainda nessa mesma ideia de como as personagens foram construídas, a relação entre Lana e o Dr. Threadson é um dos pontos altos da temporada. Os abusos sofridos por Lana são tais que para mim, o clímax de toda a temporada não está no último episódio (como seria de se esperar), mas no décimo primeiro, quando ela finalmente consegue deixar Briarcliff. A tela divida em dois no momento em que ela desce a escadaria, o fato de Threadson estar tão perto de acabar com mais uma chance de fuga é agoniante. Até chegarmos na melhor cena de todos os episódios:
Se há algum elemento que se repetiu da temporada anterior para esta, são os “saltos temporais”, passando do passado para o presente e apresentando diferentes histórias que acabavam criando a “mitologia” da série (no ano um, os diversos crimes que aconteceram na “murder house”, por exemplo). No ano dois, os saltos são mais raros na maior parte dos episódios, sendo que a narrativa se concentra principalmente na Briarcliff da década de 60 e um pouco nos dias de hoje. Não preciso falar nada sobre Briarcliff do passado, é o motor principal de Asylum e funcionou muito bem. Mas todas as histórias envolvendo o tempo presente são um tanto enfadonhas e até mesmo desnecessárias. O casal atacado na Briarcliff atual pareceu servir só para propositalmente confundir o telespectador (“Bloody Face ainda ataca nos dias de hoje? Como é possível?”) e quando chegamos ao filho de Threadson, a coisa fica ainda pior: cenas e mais cenas que são apenas um eco do que Threadson já tinha feito. O mesmo problema pelo abandono, a mesma fixação com a figura materna, etc. Não convenceu.
Gostei da história do demônio em Briarcliff, embora eu ache que, por ter uma outra linha principal (Bloody Face), ela acabou sendo um pouco mal desenvolvida. O que o demônio queria ali? Só tocar o horror? Ou tinha um outro plano? De qualquer forma, foi interessante a introdução do anjo da morte como parte da mitologia (então apresentando o diabo como um anjo caído). As cenas do anjo da morte eram bastante bonitas, especialmente no momento em que ela abria as asas.
A parte dos ets eu ainda acho completamente desnecessárias, pelo menos dentro do enredo principal. Poderia muito bem vir a ser tema de uma outra temporada, aí completamente focada nisso, mas do jeito que foi colocada parecia meio que um jeito de colocar alguma ação quando a história principal estava em um momento mais parado. Mas o lado bom é que a frequência de cenas relacionadas aos ets era bem pequena comparada às outras, então nada que tenha estragado a temporada.
Aliás, acho que faço coro com um monte de gente ao dizer que esta foi melhor que a primeira (que também foi boa, vale lembrar). E mesmo que tenha sido “sem querer”, acho que os criadores da série conseguiram resolver um dos grandes problemas de qualquer coisa criada hoje em dia: como são arcos fechados de história, previstos para começar e acabar em 13 episódios, não há fillers, não tem espaço para embromação, muito menos chance de “errar a mão” com alguma personagem simplesmente porque seu potencial se esgota (vide a série de reclamações sobre a nona temporada que virá para How I Met Your Mother).
Fica agora a curiosidade sobre o que virá para este ano. As notícias indicam de novo a repetição de boa parte do elenco principal, e o subtítulo já foi anunciado, será “Coven” (termo usado para um grupo de bruxos). Agora é esperar outubro chegar (até porque, como a segunda temporada já provou, não adianta ficar especulando antes: o show é realmente imprevisível).