Por mais que algumas pessoas pensem que boas histórias são escritas como que em uma enxurrada criativa vivida pelo autor, a verdade é que pelo menos nos bons livros nada é por acaso. Para explicar meu ponto de vista, dou este exemplo: o que seria de Dom Casmurro se ao invés de um narrador-personagem (Bentinho) tivéssemos um narrador em terceira pessoa, onisciente e que não atribuísse qualquer juízo de valor aos acontecimentos descritos? Bom, obviamente que Capitu não seria lembrada por tantos brasileiros (mesmo os que se traumatizaram com as aulas na escola). E digo isso porque se As Virgens Suicidas é um livro tão hipnotizante, é justamente por causa das (ótimas) escolhas de Jeffrey Eugenides ao contar os mistérios envolvendo os suicídios das meninas Lisbon.
Convenhamos, as opções para contar a história eram infinitas. Poderia ser romance epistolar, com trocas de cartas das garotas. Poderia ser uma imitação de páginas de diário. Poderia tanto, e Eugenides seguiu um caminho um tanto surreal: o narrador é um dos meninos que moravam na mesma rua que as Lisbon e que eram apaixonados talvez nem tanto pelas irmãs, mas pelos segredos que faziam das meninas seres inalcançáveis. E o efeito causado por essa escolha do autor é que nós, leitores, que poderíamos até pensar nas Lisbon como garotas comuns, acabamos nos encantando pelas personagens e também ficando curiosos, porque é através de olhos apaixonados que as vemos.
A primeira personagem de destaque é Cecilia, a primeira a se suicidar. Com alguns elementos como a insistência em usar o vestido de noiva, o jeito observador e silencioso e extremamente maduro de uma menina de 13 anos encantam de forma imediata. Antes que você perceba, acabou sendo completamente preso pela história, e o mais engraçado é que não é tanto pelo mistério que obviamente acaba se criando, até porque pelo menos para mim o motivo dos suicídios era óbvio, apesar de algumas questões ficarem em aberto (a questão da imagem da santa, ou ainda do motivo que fez com que Cecilia fosse a primeira). Mas a voz do narrador é mesmerizante, e tão rica nos detalhes que ao descrever passagens que acontecem no verão, é quase possível sentir o calor do sol na pele.
Porém aqui entra a parte “surreal” desse narrador, que facilmente acabamos esquecendo. Ele é um apaixonado, tal e qual outros garotos da vizinhança. E ele vai apresentando a história como se fosse para um corpo de jurados, ou como se fosse uma reportagem investigativa. Mostra uma foto e chama de peças, fala de conversas que teve com pessoas anos depois. É uma pessoa tão obcecada que chega ao ponto de fazer com que outro garoto passasse o batom de uma das irmãs nos lábios para beijá-lo, para ter noção do que seria beijar a menina. São pequenas frases soltas ao longo da narrativa que pegam o leitor de surpresa e que chamam a atenção. A questão de imitar com outras mulheres as posições sexuais que viram Lux Lisbon fazendo, por exemplo. Ou procurar o sabonete que elas utilizavam para tentar reavivar a lembrança que tinha das garotas. Ainda, no desfecho, quando diz guardar escova de cabelo delas até aquele momento em que conta a história. De certa forma essa conexão da memória com objetos fez com que eu lembrasse de O museu da inocência, que no final das contas lança mão do mesmo recurso usado aqui, embora obviamente desenvolvendo a narrativa de modo diferente.
Acho uma pena apenas que no final das contas a história se concentre mais em Cecilia e Lux, deixando Mary, Thereza e Bonnie mais de lado, um tanto mais rasas. O livro obviamente seria mais longo caso Eugenides desenvolvesse a personalidade das cinco da mesma maneira, mas certamente seria ainda melhor do que já é. A tradução de Marina Colasanti está excelente, mantendo o tom que a história pede, aquele quê onírico que nossas memórias começam a adquirir com o passar do tempo.
Como curiosidade, vale lembrar que a obra já tem uma adaptação cinematográfica, lançada em 1999. Foi dirigida por Sofia Coppola e conta com Kirsten Dunst no papel de Lux Lisbon (a mais sedutora das cinco irmãs).
Tá aí um livro que eu quero ler. Gostei do filme, e, na época, pensei “vou ler o livro”, mas ficou por isso mesmo.
e eu quero rever o filme desde que li o livro e até agora ficou por isso mesmo hahaha