De todos os métodos para procurar novos livros para ler, um que nunca falha para mim é o “falatório entre conhecidos”. Se um amigo seu diz que leu e adorou, depois aparece uma resenha de um crítico que você normalmente lê, aí alguém fala no twitter, etc. etc. etc. pode saber: será no mínimo bom. Foi o que aconteceu comigo sobre Bonsai, estreia na ficção do chileno Alejandro Zambra. Lançado no mês passado aqui no Brasil pela Cosac Naify, desde então quase todos os meus contatos literários estão pelo menos em um dos dois estágios com esse livro: leu ou quer ler. E já acostumada a seguir sem medo o tal do “falatório entre conhecidos”, fui conferir o que esse livro tinha a oferecer (e saber o porquê, afinal, de falarem tanto sobre ele).
O que chama a atenção logo de cara é que Bonsai é curtíssimo. Dá pouco mais de 90 páginas, mas há de se considerar o projeto gráfico da publicação, que ocupa pouco espaço das páginas (ou seja, das 90 dá para dizer que ele provavelmente tem algo em torno de 60). Eu fiquei realmente curiosa se há alguma intenção de que o leitor apare as sobras do livro, como quem cuida de um bonsai. Confesso que ver o pontilhado da capa despertou em mim um desejo irresistível de fazê-lo, mas como sofri com meu Bartleby, resolvi deixar para lá qualquer exercício envolvendo tesouras ou guilhotinas e apenas ler.
Chegamos então ao texto de Zambra. Ao terminar Bonsai lembrei imediatamente daqueles versos do José Paulo Paes: “conciso? com siso. prolixo? pro lixo”. O chileno consegue fazer com um enredo simples e curto um brilhante exercício de escrita. Amarra tão bem a ideia do bonsai tanto com os eventos vividos pelas personagens quanto com a estrutura do livro que não tem como não colocá-lo instantaneamente em uma lista de leituras memoráveis (além de se ter a certeza de que será um exemplo recorrente ao se afirmar que, em prosa, você não precisa de centenas de páginas para entregar algo acima da média). “Escrever é como cuidar de um bonsai“, pensa o protagonista em determinado momento. E é exatamente o que Zambra faz: vai podando aos poucos a novela, de tal maneira que, quando tem em mãos o livro pronto, ele é, não só por seu título, mas por sua essência, um bonsai.
Como dito antes, o enredo é simples. O ponto principal é a separação de um casal, e os caminhos que cada um segue após esse rompimento. Julio e Emilia se conhecem nos tempos da faculdade e compartilham não só o interesse pelos livros, como também até algumas “mentiras literárias” (nunca leram Proust, apesar do que contaram um para o outro ao se conhecerem). É até um pouco cruel seguir na parte em que eles estão juntos, porque vamos criando simpatia pelo casal que já sabemos fadados a não ficarem juntos. Mas é essa simpatia que dá especial curiosidade para saber o que vem além do fim do namoro.
E é então que vem a grande sacada de Zambra sobre a estrutura do livro. Em um exercício meio sinestésico, o leitor pode ver a narrativa se desenvolvendo como um bonsai. Tomando Julio como o tronco, dele vão saindo galhos que se expandem em outros galhos, como Emilia, que abre para Anita e Andrés, ou Gazmuri, que abre para o fictício romance Bonsai e para Sobras. É uma representação belíssima do que é a vida, de como nossas relações com outras pessoas acabam se tornando parte do que somos. Eu tinha tentado fazer um desenho do bonsai mas não consegui, eis que fui salva pelo Tuca, que gentilmente fez o bonsai exatamente como estava imaginando:
Ainda não vi a adaptação cinematográfica (lançada no ano passado e dirigida por Cristián Jiménez), mas chamou minha atenção o que revela a sinopse – que um jovem escritor reconta um antigo amor na esperança de atrair seu novo interesse romântico. Não é exatamente o que me parece ter acontecido entre Julio e María, e me parece até um pouco triste que uma história tão bonita acabe se transformando nisso. O resgate da lembrança de Emilia é feito de outra maneira, por outro motivo, que não cabe comentar aqui mas que revela o cuidado de Zambra em amarrar todas as pontas, fazendo dos eventos da vida de Julio tal como são narrados uma coisa coesa, mas sem ser forçado.
Bonsai chegou para reafirmar antigas opiniões que já tinha. Além do que já comentei, sobre usar o “falatório entre conhecidos” como fonte de indicação, e o fato de você não precisar escrever um catatau para fazer boa prosa, o livro ainda lembra que escrever é uma arte que requer paciência e cuidado, e que você não precisa de um enredo mirabolante para prender a atenção do seu leitor. Zambra se revela tão bom ao escrever uma novela que é impossível fechar o livro sem se questionar sobre o que ele pode fazer em poesia1. Seja lá qual for o motivo que faça com que você busque um novo livro para ler, espero que ele inclua Bonsai em sua lista de leituras futuras.
não sei se foi por conta doBonsai e da ideia de concisão, mas fiquei querendo apostar que pelo menos um hai-kai ele já escreveu na vida ↩
Olá Anica, antes de tudo parabéns muito boa a sua resenha, fui ler Bonsái depois de ver a sua lista de melhores de 2012, o livrinho é realmente muito bom, a edição espanhola também esticou o número de paginas para chegar até incríveis 94. Assisti na sequencia ao filme, a resenha do IMDb está totalmente furada, mas a transição papel/celuloide foi desapontadora. Enquanto lia eu ficava imaginando como aquilo poderia virar filme (quase sempre faço isso) e o que ia me deixando cada vez mais interessado eram aquelas desviadas que ele dava no texto para falar de algum personagem seguido de um corte abrupto e de um retorno ao Julio ( a representação disso no desenho do Tuca está perfeito). Bom o filme não usa nada disso, ele somente fica alternado o período do relacionamento com Emilia com cenas passadas 8 anos depois (Maria em diante). Apesar do livro ser pequeno muitos detalhes foram omitidos e muitas situações foram alteradas, o filme é ruim? Não, não é, mas não se compara ao livro.
Oi Ary! Obrigada =D
Sobre o filme, já ouvi de outras pessoas que como adaptação não deu muito certo, mas sabe que mesmo assim eu fico curiosa? Eu acho que comigo funciona diferente de outras pessoas, que vão ao cinema e aí compram o livro: eu leio o livro e fico morrendo de curiosidade sobre a adaptação. Aliás, tem livros que eu também faço como você, de ficar imaginando como ficaria a história num filme hahaha