As aventuras de Pi

as-aventuras-de-pi-posterPara você ver como são as coisas: naquelas birras inconscientes bobas do nosso dia-a-dia, eu estava disposta a odiar As aventuras de Pi (Life of Pi), do diretor Ang Lee. Basicamente porque assim que o filme chegou aos cinemas, uma história voltou a ser comentada: de como o autor do livro As aventuras de Pi (Yann Martel) teria plagiado uma obra do brasileiro Moacyr Scliar, chamada Max e os Felinos. Mas como disse, birra inconsciente boba. Para quem quiser saber mais sobre o assunto, tem um depoimento que o Scliar deu sobre o assunto aqui.

De qualquer forma, é fato que na primeira meia hora do filme eu ainda estava assistindo com um certo cinismo. “Ok, Ang Lee, entendi, você fez receita de bolo para ganhar Oscar.”, era o que eu pensava (além de “Se fizerem algo com o Tigre eu vou ficar muito puta”). Mas aí na outra vez que fui me dar conta de qualquer pensamento que não a história em si, eu percebi que já tinha sido completamente encantada, para não dizer seduzida. Sim, é receita de bolo para ganhar Oscar. Mas ninguém disse que seguir receita faz o bolo ficar ruim, ele só não fica, hum, original, certo?

A ideia é a seguinte: um escritor encontra com Pi para ouvir sua história, de modo a escrevê-la. Pi começa descrevendo sua infância na Índia, que para quem estava querendo logo “a hora do cara no barco com o tigre” pode parecer arrastado ou mesmo desnecessário, mas não achei – situa as personagens na história, o modo como o protagonista encarava a religião (belíssima mensagem de tolerância religiosa, aliás) e mesmo o início da relação com o tigre Richard Parker. E é um começo tão doce que não tem como não se envolver com a história, querer saber o que acontecerá com Pi (e sim, sofrer com o garoto quando a situação aperta).

Visualmente o filme é impecável, cheio de cenas de encher os olhos, como no momento de calmaria com o céu refletindo na água:

E sim, várias e várias cenas que gritam “3D! 3D!” Mas que continuam igualmente bonitas em 2D. E pensar que poucas cenas dos animais não são CGI (de acordo com o IMDb, só 14% das cenas do Richard Parker foram feitas com um tigre real), faz com que eu só pense que bem, desculpa Peter Jackson, mas nem o Efeitos Visuais vai ficar com você este ano.

Sobre “a hora do cara no barco com o tigre”, ela nem é tão longa quanto imaginei que seria (ou pelo menos nem senti o tempo passar). A história é montada de tal maneira que há uma mistura de sentimentos: você fica com medo, você ri, você fica tenso, você acha Pi um idiota, você acha Pi um amor, você chora, etc. É quase um efeito de montanha russa, de quando você acha que vai ter uma calmaria, de repente acontece algo que muda tudo.

E sim, a relação de Pi com o tigre Richard Parker é o coração do filme. As tentativas de aproximação do garoto, o modo como de certa forma ambos chegam a conclusão que precisam um do outro para sobreviver, e aquele desfecho, com Pi dizendo para o escritor “I suppose in the end, the whole of life becomes an act of letting go, but what always hurts the most is not taking a moment to say goodbye.” é de arrancar lágrimas.

Aliás, alguém me explica a falta de indicação para o Suraj Sharma no Oscar? Porque assim, se tinha vaga para o Bradley Cooper em O lado bom da vida, então tinha que ter um lugar pra esse guri. Li em algum lugar e concordo: parte do que faz o truque do CGI crível é a atuação dele.

Enfim, é lindo – de todas as formas possíveis. Emociona e encanta o olhar – tem cena ali que tenho certeza que ficará na minha memória por um bom tempo. E já que fizemos comparações “oscarianas”, é engraçado vê-lo ao lado de Lincoln entre os mais indicados, porque assim: eu adorei Lincoln, achei belíssimo, muito bem executado – mas um tanto frio. Parece que falta exatamente o que Pi traz (e de sobra, juro que depois de 1:30h abriu as torneiras dos meus olhos e não parei de chorar).

Para terminar, fica aí a história do nome do Tigre (copiei daqui):

No livo O Relato de Arthur Gordon Pym, do escritor Edgar Allan Poe (1809-1849), um personagem chamado Richard Parker é devorado por membros da tripulação. Em 1884, cinco décadas depois da publicação do livro de Poe, um crime chocou a Grã-Bretanha. Os três homens mais velhos do barco Mignonette, que havia naufragado, decidiram matar e comer o mais jovem deles. O nome do infeliz? Richard Parker.

3 comentários em “As aventuras de Pi”

  1. Vale spoilers?

    – SPOILER –

    Achei o final sensacional, principalmente quando o Pi conta a “outra história”. Tentar relembrar o filme pensando no Richard Parker como o próprio Pi é de explodir a cabeça.

    Tem uma cena em que o Richard Parker está olhando pro fundo do mar, o Pi meio que perguntar o que ele está olhando e aí a câmera entra no mar/universo/etc. até o fundo do mar – como se fosse o olhar do Richard Parker – onde estava o navio. Quando a câmera volta, é o Pi que está olhando o mar e a posição em que ele está lembra o tigre, de quatro, com o quadril um pouco pra cima. E o Richard Parker está sentado, olhando pra ele, como o Pi estava antes.

    Foi nessa cena que eu pensei: “Putz, o tigre é o Pi”.

    Tem um artigo da Psychology Today que explora mais o aspecto psicológico do filme: http://www.psychologytoday.com/blog/the-tao-innovation/201211/meaning-faith-and-the-life-pi

    Tentar pensar o filme no esquema da jornada do herói do Joseph Campbell também é um exercício muito interessante.

    Grande filme.

    1. Eu não tinha conseguido prever isso – do Pi como o Tigre, mas na hora que ele contou a outra versão eu fiquei >> O____________o pensando nas implicações daquilo – inclusive sobre a identidade da Orange Juice, ou ainda, do que aconteceu nos primeiros momentos no barco.

      Obrigada pelo link, vou ler agora =]

      Você assistiu no cinema em 3D? No twitter me falaram que o 3D nem faz muita diferença, mas juro que estou morrendo de vontade de assistir só para conferir como ficaram algumas cenas (tipo a da baleira, por exemplo).

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