Ficção Nacional

Saiu hoje matéria na Folha comentando o óbvio para qualquer um que costuma acompanhar listas de mais vendidos aqui do Brasil: livros de ficção escritos por autores nacionais raramente aparecem entre os sucessos de vendas. O interessante da reportagem é ler o que o pessoal das editoras tem a dizer sobre o assunto. Chama a atenção o fato de que dessa vez a culpa não foi jogada no colo do leitor como normalmente acontece, mas do escritor, como dá para ver neste trecho:

Opinião parecida com a do publisher da Companhia das Letras, Otávio Marques da Costa, assim como o diretor-geral da editora Leya, Pascoal Soto, que comenta:

Sobre as afirmações do Soto eu vou comentar algo a mais, por enquanto vamos observar essa conversa de que não temos autores nacionais que escrevam “ficção mais popular” ou “de forma mais acessível”.

Sinto aqui uma necessidade de refletir um tanto sobre o que vem a ser essa tal “ficção mais popular”. Literatura de entretenimento, certo? Aquele livro que você pega para ler sem compromisso, como quando eu pego um chick-lit qualquer e leio sem a menor culpa porque eu góóóóstchô. Hmkay. Basicamente a ideia é: linguagem acessível (sem neologismos ou qualquer rebuscamento) e narrativa linear/simples/etc (sem qualquer invencionice), certo?

Então alguém me explica POR FAVOOOR, o sucesso de Game of Thrones no Brasil? Não digo sobre a linguagem (já volto para esse aspecto), mas gente, aquele porrilhão de pontos de vista são de zoar a cabeça de qualquer um, que dirá o tal do “leitor comum”. E mesmo assim é um sucesso.

Sobre a linguagem: vou tomar como exemplo o Barba Ensopada de Sangue, o último livro de autor nacional que eu li. Se alguém chegar e falar para mim que o vocabulário do Galera é complicado, que a linguagem dele não é acessível, eu vou mandar para a pqp. Considerando os aspectos forma e linguagem, o que eu acho é que tem muita gente subestimando o leitor (e talvez muito leitor se subestimando também) quando começam com esse papo de “acessível”.

“Ah, mas tem o tema, Anica. Ninguém quer nada muito denso, literatura de entretenimento é para fugir da realidade”. Certo, talvez aí temos um problema. Ênfase no talvez. Porque enquanto esse pessoal está na Folha reclamando da falta de escritores que façam livros “acessíveis”, a Não Editora está chegando ao quinto volume do Ficção de Polpa, série que é EXATAMENTE o que o “leitor comum” procura: diversão com qualidade.

Isso para não falar de gente como a Thalita Rebouças ou a Paula Pimenta, que eu nunca li então não posso falar sobre qualidade, mas sei que certamente tem seu grupo de leitores, e que fazendo exatamente isso, escrever histórias para divertir, e não para “ganhar o Nobel da Literatura”, como comentou o Soto.

Mas para que arriscar em gente nova, formatos novos, ideias novas se você pode garantir num leilão os direitos de um sucesso garantido como Cinquenta Tons de Cinza, não é mesmo? Olha só,  eu não sou do time de pessoas que acha que editoras devem prestar um serviço filantrópico de divulgação da cultura. É uma empresa, são negócios, tem mais é que buscar o que dá dinheiro mesmo. Só não acho justo culpar o escritor brasileiro pelo tal do “fenômeno” da falta de brasileiros na lista dos mais vendidos. O que nos leva para uma última citação:

leya

15 comentários em “Ficção Nacional”

  1. Abrindo o ano com mais um ótimo texto, hein!
    Admira-me a quantidade de desculpas esdrúxulas que esses editores inventam para não publicarem autores nacionais . Sendo desconhecido, todo mundo sabe que o autor pode até escrever uma obra-prima, entretanto, as chances de conseguir publicá-la são microscópicas . As poucas e remotas possibilidades surgem com os prêmios literários, como o da Benvirá e da Barco a Vapor. Mas acho que também temos nossa parcela de culpa quando, como leitores, privilegiamos mais os autores estrangeiros.
    E por falar em autores estrangeiros, MEA CULPA, eu mesmo não posso ver um livro do Neil Gaiman que já saio comprando ( e por falar nele, o terceiro volume de Sandman já saiu e vc não mencionou nada aqui – cá entre nós, acabei de compra por R$ 80 pilas nas Casas Bahia).
    Acompanho seus textos desde a época do Meia. Não pare de escrever.
    Feliz ano novo, Anica 🙂

  2. Oi, Alexandre, obrigada =D

    Sobre a questão de nós mesmos não lermos os brasileiros, eu até me sentiria culpada, sabe? Mas o negócio é que de autores nacionais novos, poucas das editoras grandes realmente dão espaço (ou mesmo investem em publicidade). Eu consigo pensar na Companhia, e só. As outras parecem apostar mais no terreno seguro, que aponta exatamente para o que a matéria falou: autores nacionais no campo da não-ficção.

    Só que aí o que acontece é o seguinte: o “leitor comum” (aquele que engrossa o caldo dos 10 mais vendidos) chega na livraria, vê lá no destaque um monte de livro do Martin, 50 tons de Cinza, etc., fica parecendo que há um mundo todo em que não existe literatura nacional de entretenimento. Ou mesmo atual/recente. Porque infelizmente quem investe nos autores novos são as pequenas, e as pequenas não dão conta de pagar o que as lojas tem pedido pelo destaque.

    Claro, tem gente que sai cavocando estantes atrás de novidades, mas convenhamos, isso é raro. Eu mesma acabo me deixando levar pelo hype em muitos lançamentos (tipo aquele da Cosac que tinha Hornby, Gaiman e mais uma penca de gente).

    Ahhhh, sobre o Gaiman eu comprei logo que saiu. Fiquei com medo que esgotasse como aconteceu com o primeiro, aí eu consegui por 90 reais. Mas vale muito a pena, tem um dos meus arcos preferidos, e nossa, tá lindo demais! Agora fica a ansiedade para o quarto, que aí sim terá o meu favoritão – Entes Queridos s2

    Abraço =]

  3. Fábio Kabral – Fábio Kabral é escritor, autor dos romances “Ritos de Passagem” e “O Caçador Cibernético da Rua 13“. Escreve também em seus blogs e redes sociais. Ator formado pela Casa das Artes de Laranjeiras, estudou Letras na UFRJ e na USP. Um dos fundadores do site “O Lado Negro da Força“. Já trabalhou como ator, dublador, livreiro e analista de mídias sociais. Palestrante de temas relacionados a afrofuturismo, afrocentricidade, candomblé, literatura fantástica, cultura pop e criação literária. Iniciado no candomblé e filho de santo do terreiro “Ilê Oba Às̩e̩ Ogodo“.
    fabiokabral disse:

    Sigo escrevendo firme todos os dias, tentando publicar o primeiro enquanto vou escrevendo o segundo, escrevendo o que eu quero, sem pensar em públicos e variáveis e sei lá o quê, única preocupação minha em contar uma boa história, FODAM-SE todas essas especulações e é isso. (:

    1. Acho válida a postura, o problema é que se você escreve isso significa que você deseja ser lido, portando publicado. E enquanto editoras falarem que brasileiros “não merecem ser publicados”, eu acho que essa deveria ser uma preocupação para você, não só para o leitor (que obviamente também sai perdendo nessa história toda).

      1. Fábio Kabral – Fábio Kabral é escritor, autor dos romances “Ritos de Passagem” e “O Caçador Cibernético da Rua 13“. Escreve também em seus blogs e redes sociais. Ator formado pela Casa das Artes de Laranjeiras, estudou Letras na UFRJ e na USP. Um dos fundadores do site “O Lado Negro da Força“. Já trabalhou como ator, dublador, livreiro e analista de mídias sociais. Palestrante de temas relacionados a afrofuturismo, afrocentricidade, candomblé, literatura fantástica, cultura pop e criação literária. Iniciado no candomblé e filho de santo do terreiro “Ilê Oba Às̩e̩ Ogodo“.
        fabiokabral disse:

        Mas não há muito o que eu possa fazer a não ser continuar escrevendo e tentar publicar o que estiver pronto. Logo, não adianta eu me preocupar. Vou publicar tudo, de uma forma ou de outra. Conversas e encontros estão sendo realizados, em breve vai rolar.

        1. Tá certo você, Kabral. E na realidade pensei aqui em uma coisa que editoras como a Leya estão deixando de lado, que é o caso da publicação própria. Eu sei que o livro é uma merda, mas 50 tons de cinza foi publicado primeiro por conta própria, só depois que começou a fazer sucesso que as editoras grandes começaram a disputar a tapa o direito dos livros. Ou seja: não é mais uma questão de “se editoras não me publicam, não tem como alguém conhecer meu trabalho”. Hoje em dia há opção.

  4. Sim, concordo com tudo o que vc escreveu. Entretanto, não posso deixar de lamentar ao ver uma editora grande como a Abril lançar várias coleções só com autores ingleses e apenas uma com íbero-americanos. Também acho de lascar ver a lista de livros que as crianças devem ler e só encontrar autores estrangeiros (ingleses em sua maioria). Quer dizer, tudo bem ler Oliver Twist (tb adoro Charles Dickens), mas pq não incluir Meu Pé de Laranja Lima ou algum da Ana Maria Machado ou Lygia Fagundes? Será que estão tão fora de moda assim? Pra mim parece preguiça editorial.
    E eu que cresci lendo a coleção vaga-lume…
    Bom, mas é como vc disse, fazer o quê, né, quem manda é o mercado.
    Abrç

    1. Eu ando meio por fora do que a garotada tem como leitura obrigatória nas escolas =/ Mas lembro que pelo menos no meu colégio o contato inicial era só com autores nacionais, acho que estava na sétima série quando comecei a ler estrangeiros (naquela série reencontro, sabe qual? tinha oscar wilde, voltaire, etc., muito legal =] ).

  5. taizze – Aprendiz de jornalista e apreciadora do ócio que se meteu a fazer resenhas para jogar aos ventos sua humilde opinião.
    Taize disse:

    Daí o cara consegue publicar seu livro de entretenimento legal, a editora dá espaço, o povo vê, o povo compra, e vai vir um hatoum dizer que não são literatura de verdade porque “não convida a pensar nas relações humanas, no jogo social e político, na passagem do tempo e nas contradições e misérias do nosso tempo, muito menos na linguagem, na forma que forja a narrativa.”

    dá sono.

    1. né. aquela conclusão falando “essa xaropada que finge ser literatura.” foi de matar. do tipo: é tudo ou nada, só é literatura a alta literatura (ou seja lá qual o nome ele dá para o conrad e cia.). quase escrevi um post falando sobre isso hoje, mas aí pensei que isso poderia passar a falsa impressão de que estou levando o blog à sério e resolvi só abrir um tópico na valinor mesmo hahahaha

      1. taizze – Aprendiz de jornalista e apreciadora do ócio que se meteu a fazer resenhas para jogar aos ventos sua humilde opinião.
        Taize disse:

        Hhahahaa né, CHEGA DE POLEMIZAR EM BLOGS

        http://pedromoraes.net/blog/

        (desculpa, mas toda vez que reencontro esse blog tenho que compartilhar com 10 amigos ou zé wilker puxa meu pé à noite)

  6. Esse é o grande embate ideológico que rola na literatura, literatura de gênero vs literatura mainstream. Um reclamando que o outro é elitista, autocentrado; o outro se autoproclamando a expressão única da literatura. No mundo inteiro rola essa discussão. Mas aqui no Bananão a coisa é distorcida: esse embate ideológico não acontece. Um dos lados do embate simplesmente não existe. Tudo aqui é produzido e pensado pela ótica mainstream  – falo ‘tudo’ em termos relevantes, claro que há exceções. O conceito, a idéia mesma da literatura de gênero é algo ausente no nosso cenário.

    Antes uma digressão (e uma obviedade para explicar meu ponto) : escrever um romance exige habilidades bem além do simples domínio da língua. Romance tem estrutura, tem ritmo, você tem que saber o que mostrar e o que deixar subentendido, saber qual sequência fica mais interessante, tem que saber fazer diálogos verossímeis, dividir os parágrafos, concisão, objetividade, etc e etc; são essas habilidades que forjam um romancista de verdade. Não precisa ser um ás das letras para dominar esse ofício, mas ele precisa ser dominado. Feito isso, você tem um romance com o status de “publicável”. Se fará sucesso ou não, é outra história.

    No Brasil, os não muitos que dominam esse ofício são fruto do ambiente, eles só raciocinam na ótica da ficção literária. Eles sabem fazer romance, mas eles privilegiam apenas a ficção literária mainstream. Em contrapartida, os poucos que enveredam na literatura de gênero não dominam o ofício de romancista – escrevem (alguns até muito bem), narram, contam histórias, mas a cada página lida, você percebe ali nos detalhes a imperícia, a inexperiência na arte do romance. São outsiders. Tente folhear alguns nacionais da editora Novo Século para ter uma noção do que falo. Eduardo Spohr é outro nome que me vem em mente.

    Essa é a grande distorção. Em outros lugares, os grandes escritores que dominam de fato o ofício do romance também fazem literatura de gênero. Você deu o exemplo de GoT. Até hoje eu lembro dos capítulos que descrevem o casamento de Joffrey. Aquilo ali foi a quintessência da arte de criar uma cena. Vários personagens, várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, o autor soube escolher exatamente o que descrever para dar a noção do todo; e ainda incutir na cabeça no leitor o clima da festa que estava rolando, a tensão cada vez mais crescente, os acontecimentos se entrelaçando. Porra, aquele trecho do livro é perfeito! O boçal que ler aquilo e dizer que não é literatura de verdade não possui sutileza para reconhecer um escritor de calibre.

  7. Muito bem colocado, Marcio. Enfatizo a questão do Martin porque para mim é o caso mais óbvio de que essa história de que o público quer quem “escreva de forma acessível” é pura balela. Obrigada pelas opiniões ;D

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