Retalhos é uma HQ autobiográfica, na qual Thompson retrata um pouco de sua infância e adolescência em Wisconsin, focando principalmente em sua relação com o irmão e com uma garota que conhece em um acampamento religioso, Raina. Aliás, talvez mais importante que a relação dele com essas pessoas, seja a relação dele com a religião: Thompson aparece como um menino extremamente devotado, que não sabe situar ao certo o que é pecado em sua vida e parece estar sempre carregando esse tipo de culpa. A chegada de Raina parece levar esse sentimento ao máximo, até o momento em que Thompson finalmente encara de frente a religião e o que pensa dela.
O tom da história mescla a inocência da juventude com aquela melancolia de quando observamos o passado já como adultos. Mesmo os momentos mais doces da vida de Thompson são sempre marcados com uma nota de tristeza, seja por algo que já passou e ele perdeu, seja por algo do que ele se envergonhava – como o fato de não proteger o irmão como achava que deveria ter protegido. Os momentos mais leves da história, aliás, são justamente quando ele descreve as noites quando ainda dividia a cama com o irmão, mostrando aquela relação típica que qualquer um que também tenha um irmão reconhecerá automaticamente: as provocações, os desafios, mas acima de tudo o amor de um pelo outro.
A arte também é bastante importante na hora de transmitir as emoções do narrador. Algumas imagens permanecem na cabeça mesmo após a leitura de Retalhos, seja com a representação do pai dando uma bronca nos filhos, aparecendo enorme e ameaçador para as crianças. Ou a inocência da expressão do irmão de Thompson ao ir para o quarto com o babá, quando você sabe que não é para algo bom. Os momentos com Raina, então, falam ainda mais, sem necessidade de qualquer texto: o abraço, o beijo ou mesmo o modo como ela sai de sua vida.
O título original de Retalhos é “Blanket” (cobertor/colcha), tomando o presente que foi dado por Raina para Thompson. Se tomarmos o nome original, vemos a ideia da proteção, seja a que ele não oferece para o irmão ou a que ele gostaria de oferecer para Raina (e que de certa forma Raina lhe dá). Mas confesso que gosto mais do nome em português. A imagem dos retalhos da colcha feita por Raina como uma alegoria dos retalhos do passado do artista, que colocados lado a lado formavam essa linda história, tal como vemos nesta graphic novel.
Bastante sensível e realmente cativante, Retalhos prende o leitor em um lugar que parece estar sempre nevando, onde o frio e branco predominam, assim como aqueles momentos que deixamos mais escondidos na memória. Vencedor de diversos prêmios voltados para os Quadrinhos (incluindo o Eisner), é sem sombra de dúvidas leitura obrigatória para quem gosta de HQs, e uma boa pedida para quem ainda acha que isso é só coisa de criança.
Eu li essa bagacinha nos meus tempos de livreiro, gostei muito!