É ele quem abre a edição da José Olympio, com uma ótima introdução que representa muito bem o encontro de um leitor com uma obra que o modificará, que entrará na lista dos favoritos e por lá ficará muito tempo. É quase como mágica, as frases simplesmente vão aparecendo em um ritmo único, como se fosse uma canção feita para hipnotizar uma pessoa. É difícil chegar a uma resposta sobre o que especificamente encanta, mas Pergunte ao Pó é simplesmente apaixonante.
Talvez seja pela narrativa se apresentar como uma correnteza de pensamentos do protagonista, o ítal0-americano Arturo Bandini. Memórias, julgamentos, sonhos… tudo se mescla em um verdadeiro turbilhão, e o que o leitor pode fazer de melhor é deixar-se levar pelos acontecimentos tal como narrados por Bandini.
Bandini também é por si só um forte responsável por Pergunte ao Pó ser tão encantador. Já no começo ele diz “Não era uma mentira; era um desejo, não uma mentira, e talvez não fosse sequer um desejo, talvez fosse um fato“, e essa parece ser a forma como a personagem-narradora vê sua própria vida. Ele é um sonhador, lutando para ser um escritor reconhecido, ele crê realmente merecer o sucesso – para ele, mentira é o desejo que ainda não se realizou.
E muito da vida de Bandini em Bunker Hill é isso, desejo não realizado. O desejo por uma mulher, pelo sucesso como escritor, pelo dinheiro que isso trará. Ele se comporta como se tudo isso já fosse uma realidade, ou pelo menos fosse algo muito próximo de acontecer. E com isso o leitor vê até com certa inocência o modo que a personagem gasta um dinheiro que não tem em coisas fúteis, para depois viver de laranjas em um quarto que mal pode pagar em dia.
Há quem diga que Pergunte ao Pó é um roman à clef, tipo de romance que narra eventos reais só com os nomes das personagens trocados. Seguindo essa leitura, Bandini seria o próprio John Fante, e no livro teríamos as dificuldades do escritor até chegar ali. Não deixa de ser uma leitura interessante, especialmente se considerar que Fante também começou com a publicação de um conto, tal como Bandini com seu “O cachorrinho riu”.
De qualquer forma, independente dessa interpretação enxergando Bandini como alter-ego de Fante, algo que inegavelmente salta aos olhos é o retrato dos Estados Unidos nos tempos da Grande Depressão (a história se passa em 1930, um ano após a quebra da Bolsa de Nova York). Muito da sociedade da época aparece em suas páginas, mesmo no romance entre Bandini e Camilla Lopez, por exemplo. Para os que tem algum interesse nesse período histórico, é uma romance que certamente agradará.
Mas por ser tão emocional, Pergunte ao Pó tem tudo para agradar muitos tipos de leitores. Nem que sejam os de autores mais recentes – acredite, o “DNA” de Fante está realmente presente em muitas das obras que lemos nos dias de hoje. Um livro breve e muito gostoso de ler, vale a pena conferir. Em tempo: há uma edição da Brasiliense da década de 80, com tradução de Paulo Leminski. Fica a dica para o pessoal que gosta de garimpar em sebos.
Ótimo texto. É um dos meus livros favoritos, ia ficar muito braba se tu falasse mal 😉
Tem o filme… Colin Farrel como Arturo Bandini, vê se pode.