Nesta coletânea, talvez até por termos Zuckerman em cena a questão da identidade do judeu abre espaço para uma combinação entre essa mais a questão da identidade do escritor. O quanto da vida de alguém que vive da escrita está refletido em suas obras, de como por pertencer a um determinado grupo social o autor acaba carregando consigo uma espécie de obrigação em falar de seu povo, e mais – falar bem. São essas as questões que tomam conta de Zuckerman Acorrentado, alinhavando os três romances e o que é considerado seu epílogo.No primeiro romance, O Escritor Fantasma, Zuckerman aparece como um jovem talento indo visitar um escritor que admira, Lonoff. Ele tem um tom mais melancólico do que os outros textos da coletânea, parece de alguma forma mostrar para Zuckerman que Lonoff faz as vezes de oráculo, mostrando-lhe seu futuro como escritor. Lonoff em dado momento diz “Se sua vida se resumir em ler, escrever e olhar a neve, vai acabar como eu. Trinta anos de ficção”. É até irônico avançar na leitura do livro e ao chegar no terceiro romance, Lição de Anatomia, ver um Zuckerman mais velho se queixando exatamente disso.
O segundo romance, Zuckerman Libertado vai além na discussão sobre o que é ser escritor, trazendo para a história o peso da vida pessoal de quem escreve, especialmente se esse em algum momento torna-se um sucesso, como é o caso de Zuckerman, que aparece aqui como um escritor já consagrado após a publicação do romance Carnovsky, de natureza bastante polêmica. Tal como um Prometeu, ele deu vida a suas personagens e acabou sendo condenado e punido por isso, tendo que conviver com o fato de ser sempre “o cara do Carnovsky“, além da família e outros judeus que o acusam de apresentar uma imagem negativa de seu próprio povo. Algumas pessoas fazem a relação de Carnovsky com O Complexo de Portnoy, no caso Zuckerman Acorrentado seria uma forma do autor despejar alguns anos desse peso acumulado.
Dá para notar uma diferença gritante no tom do primeiro para o segundo romance, que apesar de ácido ainda assim parece ser mais leve e até mesmo engraçado. Em parte isso pode se dar pela mudança no foco narrativo, que sai do confessional foco em primeira pessoa para um pouco mais distante foco em terceira pessoa, o que permite um olhar mais sarcástico e menos sentimental para os eventos narrados.
O terceiro romance é provavelmente o mais engraçado da coletânea, sendo o humor do texto diretamente proporcional ao azedume de Zuckerman, agora mais velho e sofrendo de fortes dores no corpo, mal conseguindo escrever. Dá para ter uma ideia desse tom geral do romance com a abertura do segundo capítulo: “Zuckerman perdera seu tema. A saúde, os cabelos, e o tema”. Como se o rompimento com suas raízes (causado pela morte dos pais e o distanciamento do irmão) fosse de certa forma responsável pela crise que está passando. Zuckerman não quer mais escrever. Vê em um crítico, Milton Appel, uma espécie de inimigo e fica completamente obcecado por ele – pelo menos por uma forma de prejudicá-lo, como uma forma de revidar a provocação de Appel.
E no meio disso novamente a questão sobre aqueles que escolheram (ou melhor, tem) a literatura como profissão, como na conversa com Diana, na qual a moça consegue apontar exatamente quais eram os problemas de Zuckerman (não conseguir superar o romance Carnovsky e o efeito dele em sua vida, a relação com o pai, etc.), e em dado momento eles trocam as seguintes palavras:
Diana: (…) Só quer saber de ficar aí deitado com esses seus óculos prismáticos, fazendo castelos no ar, sonhando com a ideia de virar médico e ter um consultório com um retrato de uma mulher de médico em cima da mesa e poder voltar DO trabalho PARA casa e sair PASSEAR e ser você o sujeito que se levanta da poltrona do avião quando a aeromoça pergunta se tem algum médico a bordo.
Zuckerman: E por que não? Qando um passageiro desmaia em um avião, elas nunca perguntam se tem um escritor a bordo.
O epílogo é a novela A orgia de Praga, o texto mais fraco da coletânea, mas ainda assim necessário para fechar o ciclo. Voltamos à narrativa em primeira pessoa, com anotações de Zuckerman sobre sua viagem para Praga comunista, buscando os contos de um autor para publicá-los nos Estados Unidos. Há um retorno também para o tom melancólico, ao menos no desfecho – até porque boa parte da novela é recheada de situações um tanto inusitadas. De qualquer modo, após a leitura de romances tão bons acredito ser natural que um texto mais curto acabe parecendo “não tão bom”.
Assim, considerando o tema principal que aparece no livro, para os que gostam de escrever, ou ainda, para os que amam literatura, Zuckerman Acorrentado é um presente. É gostoso de ler e se deixar levar pelos pensamentos do protagonista, mas melhor ainda é refletir a condição daqueles que escrevem, ver “o outro lado”, de como pesa para o escritor ser finalmente reconhecido mas ser lembrado apenas por uma obra ou ter a vida pessoal confundida com a de seus personagens, por exemplo. No final das contas foi a primeira vez que li Philip Roth, e fiquei com vontade de ler mais.