As novelas presentes na coletânea lembram muito a definição que Nádia Gotlib apresenta em Teoria do Conto: não tanto ligada ao tamanho do texto (alguns são curtos o suficiente para serem definidos como contos), mas por levar “a marca do eu criador (…) que tenta representar uma parcela peculiar da realidade, segundo seu ponto de vista único”. São indiscutivelmente marcados por um tom único que só Pirandello conseguiria imprimir aos pequenos retratos daquela Itália de Pirandello, vivendo a transição do passado com a modernidade, e talvez por isso mesmo misturando a melancolia com o humor de um jeito único. São pequenos recortes, alguns de momentos até bem banais (como o da novela que abre a coletânea, Limões da Sicília), com outros que trazem um toque sutil de fantástico, como O filho trocado.
Considerando as novelas o que Maurício Santana Dias chama no prefácio de “laboratório teatral” de Pirandello, é interessante notar como são realmente proto-roteiros, dando pouca atenção para o espaço em sua maioria, e focando muito mais na fala das personagens (algumas novelas como Com a morte em cima são só diálogos) ou nas motivações e o psicológico dessas – como fica nítido em O ninho. Essa característica do texto de Pirandello o torna extremamente atemporal, soa ainda moderno, tanto que é uma surpresa para o leitor quando em dado momento bate os olhos em palavras como “charrete” e aí lembra que são textos do início do século passado.
Dá para perceber também que Pirandello experimenta bastante. As novelas não são organizadas em ordem cronológica, mas dá para perceber como o autor vai tentando coisas novas em seus textos aos poucos, mesmo com a chegada ainda tímida do humor que então aparece firme em textos como Não é coisa séria (que termina com a engraçadíssima frase “Perezzetti se casara para se resguardar do perigo de contrair matrimônio“) ou quando passa a adotar o foco narrativo em primeira pessoa (o mais recorrente é em terceira), como em Tirocínios ePersonagens.
Aliás, Personagens somado com A tragédia de um personagem e Conversas com personagens são o ponto alto da coletânea, sem dúvida os melhores textos dos 40. Essas três novelas se transformaram na peça Seis personagens em busca de um autor, uma das peças mais famosas de Pirandello. Aqui, o autor constrói uma ironia sobre a atividade do escritor, da sua criação. O humor se constrói principalmente no choque entre o real (representado pelo narrador) e a ficção (representada pelos personagens). São realmente ótimas histórias, que fazem por si só já fazer toda a coletânea valer a pena.
Mas é evidente que isso não quer dizer que os outros textos de Pirandello não sejam bons. Alguns deles mexem muito com as emoções do leitor, como por exemplo O Ninho, no qual você sente a força do texto, do drama criado pelo autor principalmente quando chega nos momentos finais da história. É difícil ler alguma novela e depois não ficar com alguma curiosidade sobre como ficou a peça de teatro da qual ela se originou.
Considerando a qualidade dos textos, mais o fato de terem sido traduzidos por alguém que entende de Pirandello (pense em nota de tradutor que explica o uso da palavra coonestar, por exemplo), além dos mimos da edição caprichada da Coleção Prêmio Nobel, o livro é uma boa pedida não só para quem quer conhecer Pirandello, mas para quem está um pouco cansado daquele mesmo grupo de escritores anglófonos que volta e meia acabamos lendo. A coletânea saiu também pela Coleção Listrada.