Cerca de dez anos depois, Bourdain retorna com Ao Ponto, que tem como subtítulo Uma carta de amor sangrenta ao mundo da culinária. Bourdain não é mais chef, agora é estrela de programa de televisão (o No Reservations, lá fora exibido pelo Travel Channel e que no Brasil passa no Discovery Travel and Living). Sua vida está claramente diferente da que levava no período em que escrevera Cozinha Confidencial, até porque agora a equação traz uma nova esposa e uma filha, o que, nas palavras do próprio autor, significa largar a jaqueta de couro e abraçar a maturidade.
Maturidade que obviamente não significa que ele seja cuidadoso nas escolhas das palavras que dirige especialmente aos ex-colegas. Os textos de Ao Ponto (dá para dizer que cada capítulo é como uma crônica) são quase como uma metralhadora automática apontando na direção de grandes figuras do universo da gastronomia, desde Gordon Ramsay (que ele parece respeitar, embora destaque a toda hora que seus restaurantes estão falidos) até o jornalista Alan Richman, que ganhou de presente um capítulo inteiro chamado “Alan Richman é um babaca”, no qual Bourdain explica porque dissera isso em uma palestra. E não, as palavras não tem qualquer eufemismo.
Aliás, sobre o estilo de escrever de Bourdain vale destacar o bom trabalho da tradução, por conta Celso Nogueira. Eu torci o nariz em uma passagem em que dizia que “pretende ser restaurante” que me parecia óbvio que era o verbo pretend (fingir), e não intend (pretender), mas a verdade é que Nogueira conseguiu manter de forma impecável o estilo desbocado de Bourdain, com suas boas escolhas na hora de traduzir gírias e expressões norte-americanas para nosso português.
E isso é importante, porque parte do que faz Ao Ponto ser um livro gostoso de ler não é ficar sabendo da sujeira que os chefs escondem embaixo do tapete (embora isso também seja legal), mas principalmente esse tom de conversa com um amigo no bar que Bourdain consegue manter com o leitor. As queixas dele sobre os colegas não são muito diferentes das suas quando conversa sobre o trabalho com um amigo, acredite. É o sujeito que queima a reputação dos outros do grupo, aquele que se acha superior aos demais e que descobriu a fórmula do sucesso, o outro que é movido a ego, etc.
Fica nítido que comida é um negócio, e como qualquer outro apresenta esse tipo de figura detestável, assim como os queridos – o que Bourdain deixa bem evidente no capítulo Heróis e Vilões, no qual coloca Jamie Oliver como herói, por exemplo, embora deixe claro que não suporta o estilo do cozinheiro. Há ainda os bastidores envolvendo a televisão e os programas voltados à culinária, e aqui Bourdain também não tem papas na língua e critica inclusive a Food Network, que comprou o Travel Channel onde ele trabalha.
Alguns capítulos merecem destaque, como o divertidíssimo Educação Básica (Bourdain tentando convencer a filha a não gostar de McDonalds), ou ainda Os ricos comem de um jeito diferente, que de certa forma fez com que eu lembrasse de Rum: Diário de um Jornalista Bêbado, do Hunter S. Thompson. Também o verdadeiro Então você quer virar chef?, que joga fora todos os sonhos de um leitor que ao ler os livros de Bourdain decida seguir esse caminho, mas tem mais de 30 anos e está acima do peso. E ainda, O caso do peixe de segunda-feira, que faz um belo apanhado de como as coisas mudaram não só na vida do autor, mas também nas cozinhas do mundo desde a publicação de Cozinha Confidencial.
Com um tom bastante pessoal, com referências variadas à cultura pop, a verdade é que ao falar de comida Bourdain consegue falar da vida. E é por isso que o livro tem tudo para ser interessante não só pelos apaixonados por gastronomia, mas também aqueles que não fazem de uma ia ao restaurante um grande evento.