A questão é que no início do livro, o que se vê sendo desenhado como base para o desenvolvimento do enredo são, de novo, os mesmo temas e tipos de personagens que já lera anteriormente. Lá estão os problemas das estruturas rígidas das classes sociais e a questão do casamento naquela sociedade, com personagens que pouco amadurecem ou mudam ao longo da narrativa. Mas foi mais ou menos na metade da leitura que me dei conta que estava fazendo isso do modo errado, considerando a superfície do enredo e perdendo assim a graça da prosa de Austen.
Se considerar a personagem principal, Anne Elliot, ela não tem nenhum antagonista direto e talvez por isso fique a sensação de mais do mesmo. Mas o antagonista de Anne é justamente as regras sobre modos e classes sociais que a fazem tomar uma decisão errada no passado: ela rompe o que seria a relação com um homem que amava (Wentworth), a partir do conselho de uma amiga, da não aceitação do rapaz pela família da moça e também do que é esperado dela pelos códigos de conduta da época. Anos depois, ainda solteira, começa a questionar esta decisão, e os dois ficam juntos especialmente quando Wentworth retorna rico.
E essa é a chave para Persuasão. Mais do que um romance, ele é uma sátira. Jane Austen a todo momento critica a sociedade e seu funcionamento, inclusive criticando de modo bastante sutil os próprios pensamentos de sua heroína, que no final das contas não é perfeita como uma Elizabeth Bennet, por exemplo. Sim, ela vai contra esse sistema social, mas ainda assim não teve a mesma coragem no passado e é importante destacar, o “final feliz” só é possível porque Wentworth enriquece e apesar de não ser calorosamente, ainda assim é aceito pela família de Anne. Um bom exemplo desse tom satírico aparece já no terceiro capítulo, quando o narrador fala de Anne e Wentworth no passado:
Ele era, naquela ocasião, um rapaz excepcionalmente atraente, de grande inteligência, coragem e brilho, e Anne uma moça muitíssimo bonita, dotada de gentileza, modéstia, bom gosto e sensibilidade. A metade de tais atrativos, de ambos os lados, teria sido suficiente, pois ele nada tinha para fazer e ela menos ainda alguém para amar, mas o encontro de tão generosas recomendações não poderia ser em vão.
Sobre a família de Anne, a impressão que fica é que é o maior alvo da crítica de Austen, já que por possuírem um título acreditam ser superiores mesmo quando não tem dinheiro. Walter Elliot, o pai de Anne, é o maior exemplo disso – ao gastar tanto acaba se vendo obrigado a arrendar a casa onde vive, e ainda se sente em posição de “escolher” ou mesmo julgar quem é que comprará. Ele aceita que a compra seja feita pelos Crofts, e é exatamente o que trará a ação para a narrativa, já que a Sra. Croft é irmã de Wentworth, e é o que possibilita o reencontro dele com Anne.
Não nego que Persuasão possa ser lido como um livro romântico, o problema é que essa definição acaba restringindo um pouco o público ideal do livro. Convenhamos, grande parte do público masculino tem problemas com histórias de “garota fica com o garoto”, digamos assim. Eu mesma, repito o que já foi dito anteriormente, torci o nariz para o livro achando que seria mais do mesmo.
Mas não é. Persuasão vai além e embora repita o tema de como as classes sociais acabavam se impondo nos rumos da vida de suas heroínas, ainda assim é bem mais ácido do que os demais, deixando o tom da sátira bem mais claro. E sob este aspecto, acredito que o livro seja indicado também por qualquer um que tenha interesse em romances de costumes, até pelo retrato fiel do pensamento de uma época já tão distante da nossa.