É por causa disso que Paris é uma festa (A Moveable Feast) embora biográfico tenha todo o charme de um romance. Descrevendo os anos que Hemingway viveu em Paris, ainda dando os primeiros passos na carreira de escritor, o livro vem cheio de personagens fascinantes, ainda mais quando se sabe que são reais, e quanto influenciaram o trabalho de Hemingway.
O processo de aprendizado do escritor não foi fácil. Há passagens do livro narrando qual o melhor trajeto a se fazer pela cidade quando estivesse passando fome, a fim de fugir do cheiro e da visão da comida. Hemingway abriu mão da carreira de jornalista, e com isso a situação dele e da primeira esposa, Hadley, ficou bastante difícil. O interessante é como ele consegue fazer disso um ensinamento, tirando um lado positivo não de forma piegas, mas quase até irônico.
Parte dessa iniciação como escritor também contava com as amizades que fizera enquanto vivia em Paris. A sensação que dá a partir das memórias do autor é que duas figuras se destacaram mais: Gertrude Stein e Ezra Pound. Paris é uma festa traz muitas ideias apresentadas por eles para Hemingway, incluindo o termo “Geração Perdida” cunhado por Stein, do qual Hemingway parecia discordar. Aliás, apesar de todo o respeito pela figura de Stein, até pelo capítulo em que conta o “fim” da amizade não dá para deixar de perceber que havia muito sobre as ideias dela e o modo de agir que ele discordava.
Sylvia Beach também é uma figura bastante importante na formação de Hemingway como escritor. A dona da livraria Shakespeare and Company (que de certa forma ajudou a reunir todos esses escritores anglófonos que circulavam por Paris) é constantemente citada, seja aconselhando, seja simplesmente emprestando livros para Hemingway, que deixa claro que para ser escritor há também muita leitura a se fazer. Há um momento em que o autor a visita depois de um dos passeios pelo “roteiro da fome”, parece bastante triste e sem esperança de continuar escrevendo, e é a conversa com Beach que acende a força para continuar, apesar da dificuldade.
Observando o meio em que viveu por alguns anos, a oportunidade que Hemingway teve é bastante rara, e ele deixa evidente nas páginas de Paris é uma festa que é grato às pessoas que cruzaram seu caminho nos tempos em que ainda estava começando. E a verdade é que as anedotas sobre essas pessoas são geniais, com momentos tocantes e outros simplesmente hilários, além de pitadas de situações narradas como se fossem lugar-comum, que chegam a beirar ao non-sense, como “fui ensinar boxe para Ezra Pound”, por exemplo. São diversos nomes, que vão de Pablo Picasso, passando por James Joyce e chegando até a Aleister Crowley, para se ter uma ideia.
E quem há poucas semanas teve a oportunidade de conferir Meia-noite em Paris e já leu Paris é uma festa percebe bem que a personagem principal tem muito de Hemingway naquela Paris, absorvendo o máximo possível do que aquelas pessoas tinham a oferecer, vivendo no lugar certo e na hora certa em termos culturais. Aliás, saiu uma notícia dizendo que livros de Fitzgerald, Hemingway e Stein tinham esgotado em uma loja da Livraria Cultura por conta do filme de Woody Allen. Se você saiu do cinema completamente apaixonado por aquele retrato da Paris da década de 20, pode ir sem medo direto para Paris é uma festa – acredite, é exatamente o que você quer ler.
Mas mais do que pela empolgação do filme que presta homenagem a esses grandes nomes, Paris é uma festatambém é um livro para encantar leitores (um deleite se imaginar no lugar de Hemingway), escritores (se reconhecendo naquele começo difícil de alguém que então ganharia um Nobel) e os amantes de Paris (que lembram de lugares citados pelo escritor, como cafés e ruas que estão lá até nos dias de hoje). Mais ainda, é livro para encantar quem gosta de uma boa história. Porque Hemingway com suas memórias agrada muito mais do que muita ficção por aí.
Eu adorei esse livro. Ok, li depois do filme do Woody Allen. Pra mim, o filme é um excelente companion para o livro. Ou vice-versa.
Eu comprei o livro que a Sylvia Beach escreveu sobre a primeira Shakespeare & Co., que fechou durante a ocupação nazista em Paris, mas ainda não tive a oportunidade de ler.
🙂
Eu o descobri nos anos oitenta!! Uma espécie de código de vida Até hoje me persegue. Muito bom vê as novas gerações lendo o velho Haming…..