O interessante sobre o texto de Darnton é que, embora acadêmico e voltado a um nicho específico, ele consegue ser interessante e gostoso de se ler. Foge e muito daquela distância e frieza típica de autores que envolvem o mundo das pesquisas e talvez por isso mesmo consiga agradar até mesmo quem não é “da área” que ele aborda em seus trabalhos.Em Boemia literária e revolução o autor se debruça sobre o momento que antecede a Revolução Francesa, o Antigo Regime. É o momento que grandes filósofos surgem com o Iluminismo, incluindo aí nomes como Voltaire, Diderot e Rousseau. Nomes importantes, que semearam o fim do Antigo Regime, prepararam o campo para a Revolução Francesa. Mas também nomes conhecidíssimos, não só por especialistas, mas apresentados para qualquer jovem durante uma aula sobre esse período histórico.
E o que Darnton faz é fugir do lugar comum e abordar, como revela o subtítulo, o submundo literário desse momento. Baseando-se em documentos da Societé Typographique de Neuchâtel, ele traz para o leitor relatos sobre livros piratas e probidos, envolvendo números de vendas, títulos publicados e mais procurados pelos consumidores da época entre outras informações que ajudam a compor um retrato mais fiel do que era o hábito literário francês naquela época.
O charme do texto de Darnton é que ele praticamente faz da História um romance (lembrando aquela frase de Jules Goncourt, “a História é um romance que aconteceu“). Focando as pessoas por trás daqueles documentos, ele escreve quase que pequenos contos que ilustram o ambiente literário do Antigo Regime, mesclando o cotidiano da “personagem” com os dados retirados desses registros históricos. Um exemplo é o excelente capítulo Um panfletista em fuga, que aborda um momento da vida de Le Senne (embora o autor aqui afirme que não existe certeza sobre qual era o nome real da figura em questão).
É na abertura do capítulo seguinte que o autor dá a melhor pista para compreender do que se trata Boemia literária e revolução. Diz ele:
O comércio clandestino de livros sob o Ancien Régime já magnetizou a curiosidade de alguns estudiosos. Mas ninguém conseguiu descobrir grande coisa acerca dos livros que verdadeiramente circulavam de forma sub-reptícia – e tampouco acerca dos sombrios oersonagens que o manipulavam. O underground literário só foi examinado da perspectiva do Estado; e o enfoque era inevitável, pois quase toda a documentação provém da burocracia estatal incumbida de suprimir livros ilegais. Mas, dos documentos da Société Typographique de Neuchâtel, os livreiros clandestinos emergem como personalidades inteiriças, renhindo com problemas por demais humanos – doenças, dívidas, solidão, fracasso e, sobretudo, as frustrações de um negócio ingrato. Explorando o mundo de um deles, veremos como se operava nos subterrâneos e que material era servido a leitores comuns de uma cidade comum.
E é exatamente o que se vê nas páginas de Boemia literária e revolução. Mérito de Darnton que conseguiu humanizar dados, transformando o que poderia ser pura chatice em um quadro detalhado e vivo de um período tão importante da História. Mais do que isso, conseguindo outra vez fazer com que um livro voltado a um público específico agrade também quem não faz parte desse meio.
Eu adoro do Robert Darnton, falndo como leitora e como Historiadora. Os textos dele me ajudaram muito quando fiz minha monografia de final de curso, onde tracei um paralelo entre história e literatura durante a Guerra Civil Espanhola. Ese livro dele e ainda não li, mas sempre tive vontade. Infelizmente no IFCH da UFRGS, onde cursei história, ele não é muito bem aceito, ainda existe a mágoa marxista com os culturalistas…