Lágrimas na chuva é autobiográfico, trazendo, como indica o subtítulo, as lembranças do tempo que o autor viveu na URSS, entre os anos de 1963 até 1965. O leitor acostumado a ter uma visão americana da década de 60, amplamente divulgada pelo cinema, acaba esquecendo que paralelamente havia um mundo todo “do lado de lá” da Cortina de Ferro. Mundo esse que Faraco vai conhecer quase que por acaso, com o que no momento seria a sorte de preencher “a cota” necessária para ganhar a oportunidade de estudar no Instituto Universal de Ciências Sociais em Moscou, junto com outros brasileiros.
O que parece sorte logo começa a mostrar a outra face. Faraco desde o início mostra não concordar com as atitudes dos representantes, nem dos outros alunos. A discordância criava atritos óbvios, e situações nas quais ele era julgado por exercer sua liberdade (em um momento que lembra muito 1984 de Orwell, o autor conta que arrancou um rádio que ficava eternamente ligado da parede do quarto, e fora logo repreendido por isso). Faraco faz questão de mostrar que não foi só o choque de cultura (e ideias) que esteve presente enquanto ele viveu na União Soviética: fica claro que ele aprendeu muito, conheceu muito, observou de fato o que era morar lá naquele período.
Mas o que é apenas um conflito causado por diferenças começa a ganhar proporções maiores – e surpreendentes. O que assusta o leitor nesse desdobramento de eventos é lembrar que o narrador é Sergio Faraco, uma pessoa real, e que aquilo de fato ocorreu, não é um romance inventado. A progressão da história (que prende totalmente a atenção do leitor) começa a ganhar contornos de pesadelo, quando se imagina o que é ser um brasileiro numa terra estranha e que por conta de questões políticas em seu país, está negada a chance de voltar para casa.
Não bastasse esse horror, no ponto alto da narrativa Faraco é internado em um hospício. Ele precisa arranjar forças para lutar e de alguma forma sair daquele lugar, o que encontra em Jaime, com quem faz amizade no asilo (e para quem dedica este livro). É um momento realmente agoniante, porque não dá para deixar de pensar “Isso aconteceu de verdade”. A volta para casa também é de tensão máxima, coroada por um retorno tal e qual a do herói dos contos populares: o rapaz que passa pela porta na casa do Alegrete dificilmente é o mesmo que um dia saíra por ali.
Lágrimas na chuva é um livro emocionante, em todos os sentidos que essa palavra pode abraçar. Seja pelo resgate da memória de pessoas que ficaram para trás, seja pela ansiedade de simplesmente voltar para casa, Faraco consegue conduzir suas lembranças de um modo claro e preciso, enriquecido com diversas referências culturais. É, sem sombra de dúvidas, leitura obrigatória para quem se interessa por esse período histórico, e uma ótima sugestão para quem gosta de livros que mexam com os sentimentos do leitor.