Na história temos Paul Kemp, um jornalista que viaja até Porto Rico para trabalhar no Daily News. Ele procura esse trabalho buscando fugir da vida que levava em Nova York, também tomado um pouco pelo ideal de fazer a diferença em sua área de atuação. Chegando lá ele logo torna-se amigos de alguns colegas do jornal, numa relação que vai da camaradagem à traição, com todos vivendo em um país extremamente instável, e trabalhando em um lugar que não oferece de fato qualquer garantia.
Quase toda a ação se sustenta nessa relação com os colegas, principalmente na de Kemp com o jornalista Yeamon, de quem claramente parece nutrir certa inveja assim que o conhece, ou pelo menos ver no romance entre ele e a namorada Chenault uma espécie de paraíso a ser conquistado naquela nova terra. Uma evidência disso é quando Kemp encontra os dois juntos pela primeira vez, e então reflete:
Testemunhar aquela cena que me trouxera diversas lembranças – não de coisas que tinha feito, mas de coisas que fracassara em fazer, de horas desperdiçadas, momentos frustrados e oportunidades perdidas para sempre. O tempo tinha devorado uma porção enorme da minha vida, uma porção que eu nunca mais conseguiria recuperar.
Essa passagem é um indício também do verdadeiro conflito de Rum: Diário de um Jornalista Bêbado. Apesar das ações causadas pela instabilidade de Porto Rico, do ambiente de trabalho e das novas amizades, o que pesa a todo momento é a sensação que o protagonista tem de que está envelhecendo e não está realizando nada de importante, não se destaca em nada e vive à sombra dos outros. Mais do que isso, o velho conflito da passagem da juventude para a fase adulta de fato, que a personagem define como: “Não era mais jovem, mas estava longe de ser um veterano – um homem em transição, por assim dizer”.
Toda a angústia desse sentimento de envelhecimento traz momentos bastante marcantes ao longo da narrativa, inclusive algumas que refletem os devaneios de Kemp com perfeição, como quando ele está lendo uma reportagem feita pelo colega sobre o motivo pelo qual as pessoas de Porto Rico abandonavam o país e ele traça um paralelo com sua própria vida, de quando ele abandonou a própria cidade para tentar a vida em Nova York e no resto do mundo. Mas talvez o mais belo e o que melhor reflita a situação da personagem principal é uma conversa com Chenault, na qual ele se compara ao peixe-piolho:
“Ora, diabos”, continuei. “Não sou melhor do que você. Se alguém me perguntasse ‘Diga-me, senhor Kemp, qual é sua profissão?’, eu responderia ‘Olhe, veja bem, fico nadando por águas turvas até encontrar alguma coisa grande e malvada em que eu possa me agarrar, um bom provedor por assim dizer, algo com dentes enormes e barriga pequena’ (…) Meu deus do céu, tenho ventosas por todo o corpo. Estou comendo restos há tanto tempo, que nem mais lembro o gosto de uma refeição completa.
É uma narrativa fluida, de descrições tão precisas que quase transportam o leitor para o local, sentindo a brisa do mar. Vale a pena conhecer esse outro lado de Hunter S. Thompson, tão distante e ao mesmo tempo tão próximo da loucura que ele apresentou em Medo e Delírio em Las Vegas. E se Kemp no livro tem de fato algo de Thompson (que aos 22 anos foi trabalhar como jornalista em Porto Rico), fica a certeza disso: se a angústia dele era nunca ter feito algo de diferente, esse é certamente um título que se destaca na literatura norte-americana moderna.
O livro vai ganhar uma adaptação para o cinema, com estreia prevista para outubro desse ano. Contará com Johnny Depp como Paul Kemp, lembrando que o ator viveu Raoul Douke na versão cinematográfica de Medo e Delírio em Las Vegas. O curioso é que em 2001 uma produtora tinha os direitos de adaptação da obra, mas não conseguiu fazer o filme antes do estúdio falir. Toda a enrolação rendeu um fax furiosíssimo de Thompson, que você pode conferir no blog da L&PM clicando aqui.