E talvez por isso a leitura de Só Garotos seja tão cativante: porque lemos não só a história do amor de Patti por Mapplethorpe (amor que muda com o tempo, mas mesmo assim é e sempre foi amor), mas também o amor dela pela arte. Desde as leituras que ela cita de quando ainda pequena, antes de ir para Nova York, até o momento em que passa a comentar das amizades com pessoas como ninguém mais ninguém menos do que o grande poeta Allen Ginsberg.
Tempere isso com uma sensibilidade ímpar, uma visão deliciosa e poética dos momentos mais simples da vida de duas pessoas, e aí está a explicação de porque Só Garotos é tão gostoso de ler, e provavelmente o será até para quem não aprecia muito ler biografias. Porque a vida das duas personagens centrais é tão rica, cheia de experiências tão fortes ligadas a suas paixões, que simplesmente não há qualquer momento em que o leitor possa ficar entediado: um fato leva a outro, numa sequência de eventos que chegará ao momento em que Patti fala da perda do ex-amante e amigo Mapplethorpe.
O fio que conduz a história é a vida com Mapplethorpe (mesmo quando a vida com ele signifique estar longe dele). Mesmo os momentos anteriores ao que Smith conhece o fotógrafo, ainda nesse passado há ecos do que ele comentaria no futuro sobre essa passagem da vida dela, comentários que ajudam a definir o que a transformou na Patti Smith de Nova York.
Além disso, enquanto acompanhamos o crescimento desses “garotos” que tão por acaso se conheceram, vemos também um panorama da cultura e do comportamento da época, em momentos no qual Patti comenta as manchetes de jornais, por exemplo, para anunciar a morte de Jimi Hendrix e Brian Jones, figuras tão importantes em sua formação intelectual. Aliás, acompanhar o processo que levou Patti da menina que trabalhava em uma fábrica até a compositora e poeta é realmente empolgante, porque dá a sensação que com paixão qualquer um pode seguir essa estrada, ainda mais quando vem cheio de personagens e lugares tão míticos para quem aprecia a cultura das décadas de 60 e 70 dos Estados Unidos, como dá para ter ideia com essa passagem: “Gregory Corso, Allen Ginsberg e William Burroughs foram todos meus professores, cada um passando pelo lobby do Chelsea Hotel, minha nova universidade”.
A beleza do texto de Patti está na emoção que ela imprime em cada parágrafo, carregado de uma nostalgia que faz até o leitor sentir saudades do que não viveu. Ela não esconde as dificuldades (principalmente no começo da vida, quando mal tinham o que comer), nem momentos mais controversos como o uso de drogas. Mas em pequenos detalhes como o colar que Mapplethorpe dá de presente nos primeiros tempos juntos, que passará quase a ser um símbolo da relação dos dois, dá para entender porque Só Garotos transborda sentimentos: porque a autora ama sua própria história e mais ainda, ama as personagens dela.
Dizem que não há nada mais bonito do que a pessoa amada através dos olhos de quem ama. Imagine então quando você não está falando só da relação entre duas pessoas, mas também entre uma pessoa e a arte. Para qualquer um que tem o mínimo interesse por qualquer forma de arte, o livro de Patti Smith é mais do que encantador, é também inspirador.
Eu ainda não consegui ler esse livro, mas tenho muita vontade. Amo a Patti Smith (e fui no show dela aí em Curitiba em 2006).
Adorei a resenha…
Beijos