O livro toma como base três fontes diferentes: a mais antiga é o registro da história da Dinamarca por Saxo Grammaticus (século XII). Também usa como referência o texto do francês François de Belleforest (século XVI) e óbvio, o próprio Hamlet de Shakespeare. O romance é dividido em três partes, e em cada uma delas algumas personagens apresentam nomes com grafias diferentes (Getrudes, por exemplo, é Gerutha na primeira parte e Geruthe na segunda). As mudanças não são sempre explicadas, mas o autor explica que tanto Cláudio quanto Polônio “latinizaram” o nome quando o irmão de Rei Hamlet assumiu o poder.
Algo digno de nota é que qualquer apaixonado por romance medieval provavelmente gostará de Gertrudes e Cláudio, independente das relações com Hamlet de Shakespeare. É um romance que pode ser lido como algo único, a parte da obra que pretende “complementar”. Apesar da primeira parte cair no óbvio clichê do casamento arranjado (quando Gertrudes casa com Rei Hamlet apesar de não querer), na segunda a obra ganha força com uma bela história de amor, mostrando a aproximação da protagonista e Cláudio. É belo como as histórias de cavalaria requerem, e ao mesmo tempo traz consigo uma visão extremamente poderosa sobre os acontecimentos que antecedem a obra de Shakespeare.
O livro de Updike é claramente um texto que busca absolver Gertrudes de qualquer culpa que possa ter sido levantada pela dubiedade do texto d’O Bardo. Ela era uma jovem livre e inteligente, que então se vê presa em um casamento com um homem frio que pensava apenas em política, não dando para ela o amor e atenção que merecia. Surge então o irmão do rei, que aos poucos conquista o coração da rainha e faz dela sua amante. Nada disso é claro na obra de Shakespeare, sabemos apenas que Gertrudes e Cláudio casaram pouco depois da morte do rei.
A explicação da “pressa” pelo casamento vem desse relacionamento, e também dos acontecimentos da terceira parte, que são os que se ligam à obra de Shakespeare através do primeiro ato de Hamlet. O rei descobre o caso entre esposa e irmão, e Cláudio resolve assassinar rei Hamlet para que esse não mate seu amor, e lógico, para que ganhe o trono de lambuja, já que temos o tempo todo um príncipe Hamlet bastante distante da corte. Aliás, é bem interessante observar como Updike transforma o protagonista de uma das maiores peças já escrita em uma sombra, um mero coadjuvante. É uma inversão de papéis bastante parecida com a que Tom Stoppard também faz no recomendadíssimo Guildenstern e Rosencrantz estão mortos.
Updike deixa bem claro que a decisão de cometer o crime foi apenas de Cláudio, e Gertrudes nada teve a ver com isso (pelo menos em termos de influência). Mais ainda, ressalta que ela nada sabia sobre o assassinato, portanto era inocente desse crime – só não era inocente do adultério, embora o autor justifique o ato por conta do modo como o rei Hamlet tratava a esposa.
É evidente que não se deve esperar de Gertrudes e Cláudio a mesma grandiosidade de Hamlet de Shakespeare. Mas ainda assim John Updike consegue fazer um livro bastante curioso, que deve agradar não só os fãs de romances medievais, mas também aqueles que tem algum interesse por esta que é uma das obras mais importantes da cultura britânica. Gertrudes e Cláudio é belo e ao mesmo tempo oferece uma nova visão sobre fatos que estudantes de Shakespeare já questionaram tantas vezes. Interessante ponto de vista, vale a pena conferir nem que seja para discordar da defesa que Updike faz de Gertrudes.