A Morte de Bunny Munro é o segundo, porém é o primeiro que ganha tradução aqui no Brasil, dando a chance para muitas pessoas daqui conhecerem essa outra face do músico por trás de canções como Red Right Hand e Into My Arms. E para quem está com medo de se decepcionar, fica desde já o aviso: o escritor também sabe agradar muito bem seu público.
Apesar do tema principal, o romance não chega a ser sombrio, porque o tom predominante é um humor negro mesclado com nonsense, do começo ao fim. O livro é dividido em três partes, em inglês: Cocksman (uma gíria para garanhão), Salesman (vendedor) e Deadman (morto). Cada uma dessas partes seguirá exatamente o título que lhe é dado, na primeira somos apresentados à Bunny, que bebe, se droga e faz sexo compulsivamente, o que obviamente acaba destruindo sua família. A esposa comete suicídio e deixa Bunny para cuidar do filho Bunny Jr.
Na segunda parte, ainda um pouco em choque com a morte da esposa e sem saber muito bem o que fazer com a responsabilidade de ser o único a cuidar de Júnior, Bunny decide pegar a estrada com o filho e continuar trabalhando como se nada tivesse acontecido. Ele vende cosméticos de porta em porta, usando todo um repertório de sedução para convencer suas clientes a comprar seus produtos (e bem, saciar sua vontade de sexo).
Já a terceira parte é bastante óbvia, especialmente se considerar o título do livro. É como se a estrada que Bunny pegasse no começo da segunda parte fosse na realidade o começo de sua jornada até o inferno. A Morte de Bunny Munro é recheado de momentos surreais, mas é aqui na terceira parte em que isso acontece de forma ainda mais predominante, envolvendo até uma espécie de pedindo de desculpas em formato de stand-up comedy.
O importante a se considerar sobre o romance de Nick Cave é que ele é um livro de personagem. O enredo em si é bastante simples, por mais que apresente uma série de elementos que depois se agruparão como as aparições da esposa morta ou ainda um assassino que se veste como o diabo. Mas o que conquista é Bunny Munro. Ele é um canalha egoísta e inconsequente, uma lista de defeitos ambulante. Mas mesmo assim ele conquista a simpatia do leitor, principalmente através da relação com o filho Bunny Jr.
São os momentos mais doces do livro, e o garotinho vem como antítese do pai, talvez até para amplificar ainda mais os defeitos dele. Mas a cumplicidade que os dois desenvolvem, algumas coisas que o menino obvimente aprende com o pai no momento em que passam a viajar juntos, é realmente muito tocante. E claro, contribuirá para o que se verá no desfecho da obra.
O senso de humor de Cave pode ser um pouco estranho para alguns, mas não deve surpreender quem já o conhecia como músico, afinal, um sujeito que compõe um disco inteiro com canções sobre assassinatos certamente tem um jeito meio peculiar de ver as coisas. Mas há humor sim, até mesmo nos agradecimentos no fim do livro, quando o autor diz “Gostaria de agradecer Kylie Minogue e Avril Lavigne com amor, respeito e meu pedido de desculpas“. Só lendo A Morte de Bunny Munro para entender o motivo dessa dedicatória.
E claro, só mesmo lendo A Morte de Bunny Munro para conhecer esta outra faceta de Nick Cave e se deixar encantar para o mais escroto dos protagonistas já criados na literatura. Não tem como não questionar como isso é possível após a leitura e não, não dá para tirar os méritos de Cave como escritor por conseguir esta façanha em seu segundo romance.