Uma vez que são menos contos, é até possível falar um pouco de cada um deles. No geral, são todos ótimos e certamente agradarão aos fãs de histórias policiais, até porque são todos combinações de elementos já conhecidos desse universo literário, mas com enredos ou estilos de narrativas bastante inovadores, diferentes.
É o caso de As Muralhas Verdes (de Carlos Orsi), que tem aquela típica imagem do detetive de sobretudo e que fuma compulsivamente, mas aqui investigando um assassinato em um reality show. A verdade é que o conto já tinha me conquistado só pela referência ao We, de Ievguêni Zamyatin, mas o detetive que narra a história é também uma personagem muito legal, com aquele jeitão irônico típico das personagens deste tipo de história.
A Conspiração dos Relógios (de Yves Robert) vem como uma ótima notícia para quem tinha gostado do conto Traz outro amigo também, do volume 2 do Ficção de Polpa. O detetive que tem um coelho como amigo imaginário reaparece para resolver um mistério envolvendo as horas que aparecem nos relógios. Mais uma vez, aquela imagem bem familiar do detetive, em um conto com momentos muito engraçados, como quando o protagonista conta para sua “cliente” que um coelho azul estava sentado na cadeira que ela iria ocupar. Dá vontade de ler uma coletânea inteira só de contos dessa personagem.
A aventura do americano audaz (de Octávio Aragão) pode ser uma faca de dois gumes: o autor empresta Watson e Sherlock Holmes das histórias de Conan Doyle, para escrever seu próprio conto envolvendo outras personagens também bastante famosas (mais ou menos como acontece na Liga Extraordinária). Quando digo que pode ser uma faca de dois gumes é porque os fãs mais apaixonados por Sherlock podem em um surto de xiitismo não gostar. Eu, que era apaixonada pela personagem (obcecada talvez seja o termo mais apropriado) há cerca de 15 anos, confesso que não só adorei o conto, como quis reler a obra de Doyle novamente. Aragão conseguiu recuperar muito bem a Inglaterra dos tempos de Sherlock e, o mais impressionante, o estilo da narrativa de Doyle.
A carne é fraca (de Rafael Bán Jacobsen) resgata as histórias envolvendo açougueiros como Sweeney Todd, para construir um efeito bastante interessante na narrativa, formada a partir de três pontos de vistas diferentes. Cada ponto de vista também segue um gênero textual diferente: temos diário, depoimento e reminiscência. Não querendo correr o risco de entregar o ouro e estragar a experiência do leitor, o importante aqui é saber que quanto menos você souber do conto ao ler, melhor. Vale a pena, o desfecho é muito legal.
Agulha de Calcário (de Carol Bensimon) também utiliza o recurso de diferentes pontos de vista para construir a narrativa. A história toda se passa no Hôtel Dectetive e suas redondezas, e a partir do que é narrado por cada uma das personagens o leitor vai como que montando as peças de um quebra-cabeça, para chegar ao crime em si.
Um dos nossos (Carlos André Moreira) é talvez o mais “brasileiro” de todos os contos. Os demais passam a sensação de que poderiam acontecer em qualquer lugar, mas aqui, envolvendo a polícia de Porto Alegre e lugares típicos da cidade, a narrativa acaba ficando um tanto presa ao espaço. Mesmo assim, é muito bom, retomando a ideia de assassinato e investigação como tem sido vista em histórias mais modernas de detetive, mesmo as que passam em séries de tv.
A faixa bônus de Ernest Bramah (A moeda de Dionísio) é, como todas as faixas bônus da série Ficção de Polpa, muito legal. Mas o melhor dela é apresentar um autor que era contemporâneo de Sir Arthur Conan Doyle e tão bom quanto ele, porém não tão conhecido.
Assim, chegando ao quarto volume a série Ficção de Polpa continua mantendo a ótima qualidade, e a característica marcante de ser simplesmente viciante: assim como aquela marca famosa de salgadinhos, é impossível ler um só. Conto após conto você mal percebe quando já devorou mais um volume, e mal pode esperar pelo próximo (que, segundo o organizador Samir Machado de Machado, infelizmente só sai ano que vem).