Na realidade, a história por trás de Medo e Delírio em Las Vegas é a seguinte: Thompson estava fazendo uma reportagem para a Rolling Stone sobre Rúben Salazar, usando o ativista e advogado Oscar Zeta Acosta como principal fonte para a matéria. Acosta, como o nome já indica, tinha origem mexicana, o que tornava complicada a conversa com um homem branco em tempos de tensão racial em Los Angeles, portanto os dois buscaram uma oportunidade para que conversassem em outro lugar. A tal “oportunidade” surgiu quando a revista Sports Illustrated ofereceu para Thompson um trabalho cobrindo um evento em Las Vegas, o 400 Mint.
Para pegar a estrada até Las Vegas, eles arrumaram um conversível vermelho e o encheram de drogas e bebidas, e iniciaram sua jornada alucinante. Não, eu não estou confundindo o narrador com o escritor. Medo e Delírio em Las Vegas é conhecido como “romance com chave”, um tipo de história nas quais pessoas reais são “transformadas” em personagens, especialmente devido ao teor controverso do texto. Assim, Thompson dá lugar para Duke, e Acosta para Dr. Gonzo.
Após o trabalho para a Sports Illustrated, a dupla retorna à Vegas para cobrir um congresso sobre Narcóticos (imagine a ironia). Assim, o livro é dividido em dois: a primeira parte baseando-se nos eventos em torno da Mint 400 e a segunda no congresso sobre Narcóticos. A primeira parte é muito mais insana do que a segunda. O começo do livro, com o narrador já drogado, e delírio puro. Até acostumar-se com o ritmo da narrativa vão algumas páginas, mas o desafio vale a pena.
Thompson usa em diversos momentos um recurso no qual as personagens se encontram em determinada situação (normalmente absurda) e só através de um flashback narrado pela outra personagem é que é possível saber como se chegou naquele momento. Também usa bastante da repetição para causar humor, como com Dr. Gonzo dizendo diversas vezes “Como seu advogado eu aconselho que você…” (confesso que ria toda vez que lia isso).
“Como seu advogado eu aconselho você a…”, ilustração de Ralph Steadman.
A segunda parte é muito mais ácida (sem intenção de trocadilho!) no que diz respeito à busca pelo Sonho Americano. Há uma passagem impagável de uma conversa de Duke e Dr. Gonzo com uma garçonete, perguntando “Onde está o Sonho Americano”. Só esse momento já faria Medo e Delírio em Las Vegas valer a pena. O interessante é que os raros momentos de lucidez da história aparecem muito mais na segunda parte – e esses momentos são bastante amargos e ferinos na crítica à geração de Thompson, ao presidente e bem, à própria sociedade americana.
Uma viagem bizarra que leva ao extremo a máxima de que a realidade é mais estranha do que a ficção. Em 1971 foi publicada com uma artigo em duas partes na Rolling Stone com ilustrações de Ralph Steadman, e logo depois saiu em uma edição em capa dura. No final da década de 90 ganhou uma versão cinematográfica igualmente insana dirigida pelo ex-Monty Python Terry Gilliam, e contando com Johnny Depp como Raoul Duke e Benicio del Toro como o advogado Dr. Gonzo. Livro imperdível para quem quer saber um pouco mais dos Estados Unidos do começo da década de 70.