Boyne foi extremamente competente na tarefa de prender a atenção do leitor usando duas fórmulas já bem conhecidas tanto no cinema quanto na literatura: a primeira é a do homem comum vivendo situações extraordinárias. Geórgui, o empregado do Czar, era um simples camponês antes de mudar-se para o Palácio de Inverno (que dá o título da edição brasileira do livro). A segunda é de começar com a história já na velhice do protagonista, mostrando antecipadamente o fim – isso causa empatia imediata, o leitor quer saber como ele chegou naquele momento, o que obviamente se revela aos poucos.
Mas o mais genial da narrativa de O Palácio de Inverno é o modo como Boyne criou dois eixos temporais e, alternando um com outro através de novos capítulos, faz com que a vida de Geórgui seja contada até culminanar no que seria o momento decisivo, aquela noite de 1918. O primeiro capítulo apresenta Geórgui cuidando da esposa à beira da morte em 1981, o segundo mostra o menino Geórgui vivendo no interior, e assim segue a narrativa. O passado vai de encontro ao presente, e com os desdobramentos dos eventos vamos descobrindo que O Palácio de Inverno é sobretudo uma história de amor.
O amor ao país, à família, aos seus representantes. De tantas formas ele aparece nas páginas, enchendo-as com uma ternura tocante, que mesmo a ideia da Revolução Russa parece um mero detalhe. Com valores como a lealdade sempre ganhando destaque, a verdade é que é difícil não se encantar por Geórgui e sua história. Sua atenção é conquistada desde o começo, e tudo o que você deseja saber é como ele conheceu a esposa Zoia, outra personagem igualmente cativante por conta de sua força e caráter.
Pela delicadeza da história somada ao mistério que domina a vida de Geórgui, e especialmente pelo domínio de uma técnica de narrativa que em mãos mais descuidadas poderia ficar confusa e enfadonha, Boyne conquista com seu O Palácio de Inverno, por mais que a ciência atual já tenha colocado por terra qualquer teoria sobre os Romanovs presentes naquela noite de 1918. Emocionante e bonito, misturando história e ficção com a medida certa, é uma leitura que vale a pena também por mostrar a força que uma narrativa que foge da linearidade pode mostrar.
Em tempo, para quem se interessar sobre a vida dos Romanov após a leitura de O Palácio de Inverno, a escritora Helen Rapport publicou Os Últimos Dias dos Romanov, que a Izze resenhou recentemente no Meia Palavra.