O mote é excelente: sujeito acorda depois de uma bebedeira com um par de chifres na testa. Literalmente. Essa primeira parte do livro me conquistou completamente, porque enquanto o protagonista (Ignatius Perrish) começa a ter contato com as pessoas, a reação delas para os chifres é simplesmente genial: não chegam a notá-lo, e ainda por cima começam a confessar para ele seus maiores segredos.
O horror dessa primeira parte é justamente a “verdade”, que é jogada sobre Ig sem que ele peça. Saber o que as pessoas realmente pensam de você, o que andaram fazendo, etc. e ter que lidar com isso – o tom predominante do que acontece com Ig é de puro pesadelo, naquele sentido do absurdo mesmo. Uma das consequências dessa situação é um certo humor negro, que aparece entre uma confissão e outra.
O enredo, porém, é dividido em dois fatos: sim, queremos saber como a personagem ganhou aquele par de chifres e os “poderes” demoníacos que começam a se manifestar. Mas ao mesmo tempo queremos entender o que aconteceu no passado dessa personagem que levou as pessoas a sentirem o que sente por ele. O problema é que a segunda parte do livro, que mostra um pouco do passado de Ig, funciona um pouco como anticlímax. Ele está a beira da loucura quando somos levados ao momento em que ele conheceu a namorada – e é uma parte um tanto longa e desnecessária, no final das contas.
Porém, passado esse momento, a narrativa volta ao fôlego inicial, atiçando novamente a curiosidade do leitor. Um dos “poderes” que Ig descobre ter é o de tocar nas pessoas e ver o passado delas. Isso acaba gerando um recurso interessante: vamos conhecendo a namorada de Ig através de olhares variados, que funcionam como peça de um quebra-cabeça da personalidade dela. Confesso que alguns momentos eu achei até bastante tocantes, até por causa da forma como a personagem é desenvolvida. Mas aí é que está: apesar do toque fantástico da história (bem, ele se transforma em um demônio, certo?), ainda assim eu acho que o tom principal aqui é o drama.
Mais para frente temos outra guinada, o que acho natural em um livro mais longo. Aqui a comparação com o pai volta a ser inevitável, difícil não lembrar da famosa prolixidade de Stephen King. Joe Hill, que chegou com um romance mais curto em A Estrada da Noite, agora aumenta a história, dando mais complexidade ao que conta. Mas também diminuindo a dose do horror que se esperaria de uma trama como essa.