Um erro emocional (Cristovão Tezza)

Lembro de certa vez ter lido uma lista com os 10 começos de livros mais memoráveis, o que apresentava inícios de livros como Moby Dick, Neuromancer e a Bíblia. Está aí uma tarefa quase impossível: conquistar o leitor (ou pelo atiçar a curiosidade desse) já na primeira frase. A maioria absoluta dos meus livros favoritos não me conquistaram assim, acabaram me seduzindo apenas após a décima página para mais. Então imagine com que prazer (e surpresa!) eu acabei recebendo as primeiras linhas do novo livro de Cristovão Tezza:

Cometi um erro emocional, Beatriz se imaginou contando à amiga dois dias depois — foi o que ele disse assim que abri a porta, o tom de voz neutro, alguém que parecia falar de uma avaliação da Bolsa, avançando sem me olhar como se já conhecesse o apartamento, dando dois, três, quatro passos até a pequena mesa adiante em que esbarrou por acaso, depositando ali o vinho com a mão direita e a pasta de textos com a esquerda (e ela se viu desarmada no meio de três sinais contraditórios, o erro, o vinho, o texto, mais a espécie de invasão de alguém que está à vontade — o que ela havia sonha-do, Beatriz teria de confessar à amiga, e ambas achariam graça da ideia — à vontade, mas não do modo correto) e Beatriz fechou a porta devagar com um sorriso de quem se vê imersa na ironia, e isso é bom; e se virou para escutar o resto, agora vendo-o com as mãos livres, a silhueta contra a luz, os braços brevemente desamparados daquele homem magro:
— Eu me apaixonei por você.


É essa frase de abertura que dá título ao livro (Um erro emocional), lançado agora em outubro pela editora Record. Primeiro romance de Tezza depois de vencer incontáveis prêmios com O Filho Eterno, aqui somos apresentados a um micro-instante na vida de Paulo (um escritor) e Beatriz (sua leitora). O diálogo entre os dois após esse momento de abertura dura uma noite, que Tezza prolonga vasculhando o passado das personagens e suas reflexões sobre o futuro.

Dizendo assim fica a impressão de um Eu sei que vou te amar do ano 2000, o que não é o caso. Em Um erro emocional, descontando-se essa abertura, o que pesa mesmo é o “não-dito”, o que as personagens pensam enquanto dizem trivialidades como a oferta de uma pizza e vinho, ou contam um pouco de suas vidas. Paulo nitidamente vê na revisora Beatriz a personagem de Dante de mesmo nome, que o conduzirá pelo Paraíso. Perdido, oferece uma proposta de trabalho para a moça: que revise e ao mesmo tempo auxilie na escrita do novo livro.

Texto ágil, daqueles para ser lido quase de um fôlego só: um narrador muda o foco de uma personagem para outra como se eles fizessem parte de um revezamento: um objeto ou algo que um deles diz serve para que a narrativa descreva os pensamentos ora de Paulo, ora de Beatriz. Essa técnica ajuda a manter não só o ritmo, mas também a curiosidade do leitor, que aparece no livro quase como a Doralice para quem Beatriz contará a história no outro dia.

Se suas expectativas sobre o Tezza são altas após a leitura de O Filho Eterno, é bom que tenha em mente que um romance não tem nada a ver com o outro. De semelhança fica a qualidade do texto, que sem sombra de dúvidas coloca Tezza entre os melhores escritores brasileiros da atualidade.

(Para quem gosta do autor, lembramos que em Dezembro de 2008 o Tezza gentilmente respondeu nossas 10 Perguntas e Meia, inaugurando a categoria aqui do blog!)

Um erro emocional
Cristovão Tezza
Páginas: 191
Preço sugerido: R$34,90

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