Eu sei que em teoria estou lendo o livro tal e qual a qualquer um – até porque mal estou interrompendo a leitura. Por causa disso acho que as sensações que tive sobre A parte de Amalfitano não serão tão diferentes, talvez só os achismos sobre o que as outras três partes podem trazer, o que será até divertido de confirmar depois. A verdade é que se não fosse a já familiar dificuldade para ler o catatau na cama, fiquei em alguns momentos com a impressão que tratava-se de um outro livro.
A parte de Amalfitano é extremamente melancólica e densa, muito densa. Ontem quando concluí a leitura fiquei morrendo de vontade de voltar para o começo e reler os trechos em que Amalfitano aparece para os críticos, porque o que ele falava ali ganharia toda uma outra conotação depois de saber o que ele vivera antes daquele encontro, especialmente aquele trecho no qual comenta sobre a sombra se separando do escritor que trabalha para o Estado. A narrativa trata basicamente dos caminhos que o levaram a viver em Santa Teresa (cidade onde encontrará os críticos), começando do momento que sua esposa Lola o abandona para viajar em busca de um poeta.
Quando falo que a segunda parte é diferente, é porque realmente distoa do que foi visto antes, tendo como único elo três elementos que se repetem d’A parte dos críticos: Amalfitano, o livro de Dieste pendurado no varal e os assassinatos que estão acontecendo em Santa Teresa. Mesmo o estilo é diferente, tendendo muito mais para o fluxo de consciência do que para um discurso direto, o que funciona muito bem se considerar que um dos temas recorrentes dessa parte é a loucura.
A loucura do poeta que Lola persegue, depois a loucura de Lola e então o próprio Amalfitano questionando se está ou não louco. A rapidez do estilo adotado por Bolaño para registrar diálogos e pensamentos nessa segunda parte acabam justamente criando aquele redemoinho que tiram a segurança da personagem (e óbvio, do leitor) sobre o que é real, sobre o que é certo. E no final das contas, acredito eu, pesam bastante para o plot dos crimes, mas aqui provavelmente também pela união de alguns elementos que são colocados na primeira parte.
Sobre isso, a ideia que as duas partes dão é que Bolaño brinca um pouco com as exepectativas do leitor. Sempre retomando aquela ideia de que o ato de ler carrega junto o de prever, os elementos que ele oferece na primeira parte apontam para um grande clímax que não acontece. E agora a fórmula se repete: quando parece que tudo tende a levar a uma conclusão, ele segue uma outra direção. Da minha parte acho um exercício ótimo como leitora (e bem, da parte dele como escritor), mas tenho a sensação que no fim da segunda parte ele pode perder o leitor que busca apenas um enredo com estrutura básica de começo meio e fim, digamos assim.
Isso para não falar da questão da melancolia, que comentei inicialmente. Não são só as ações (ou em alguns momentos a falta delas) de Amalfitano que constroem esse tom. As personagens ao seu redor, desde a filha até um possível novo interesse romântico, mostram a aridez de Amalfitano, como ele simplesmente não sente. Aridez como a de Santa Teresa, que cresce ainda mais na história e se revela triste tal como o protagonista. Eu sei que isso varia muito de leitor para leitor, mas para quem não suporta o calor como eu, dá quase para entender porque Amalfitano fica daquele jeito nesse lugar.
Concluindo, a leitura continua sendo uma ótima experiência – e é experiência mesmo, extrapola um pouco aquela linha da leitura por puro entretenimento. E a verdade é que agora mal posso esperar para ver qual a próxima expectativa que será frustrada na terceira parte (talvez o fato de que não será frustrada?). E sim, eu continuo evitando ler o máximo possível o que saiu por aí sobre o livro, mas acabei lendo o post no blog do Tony Bellotto e aproveito para recomendar aqui: Testamento geométrico. Em tempo, se você ainda não conferiu, corre lá no blog do Meia Palavra para ler o 10 Perguntas e Meia para Tony Bellotto. Está bem legal!
Um comentário em “2666: A parte de Amalfitano”