E então que eu resolvi dar uma segunda chance e pedi de presente de aniversário. Ganhei da Day, que deu para mim outros ótimos livros, incluindo uma versão em inglês de Ensaio sobre a cegueira que ainda tenho que ler. Enfim, que surpresa ahn. Adorei Macunaíma. Devorei o livro nas horas que tinha livre e depois ainda fiquei pensando nele, saboreando alguns momentos e pensando em como deveria ter sido legal conversar com o Mário de Andrade, há.
Macunaíma é livro para ler esquecendo da realidade. Você faz um pacto com o narrador quando passa os olhos na primeira página: não importa mais o que eu considero real, vou acreditar no que é dito aqui. É um acordo parecido com o que um fã de Tolkien faz ao abrir O Senhor dos Anéis: ele não vai ficar pensando “Pftt, elfos não existem!”, “Bah, anéis do poder, que bobagem!”. O que pode ser complicado para o leitor para romper com a a noção de realidade que ele tem é que Macunaíma é uma fantasia, mas ainda assim busca elementos reais combinando com o nonsense. Digamos que é quase o que Douglas Adams faz em O Guia do Mochileiro das Galáxias, mas sem o sci-fi.
E é óbvio que com o nonsense vem muito de humor também. Como a invenção do futebol, ou o plano para ir para a Europa (virar pianista e pedir pensão do Governo, hehe). O engraçado é que assim como acontece em Os Filhos da Candinha, a obra é de uma atualidade assombrosa, não só no enredo, mas nos recursos que Mário usa para escrever. A narrativa é predominantemente marcada com tons de oralidade, como se alguém estivesse contando sobre lendas indígenas para um grupo de pessoas. A única excessão é uma carta escrita por Macunaíma, que segue um tom de alguém que tenta soar formal.
Mas o legal mesmo é que ao romper com o real, Mário também quebra a noção de geografia do Brasil. Nós sempre vemos tudo em pedaços, como se nosso país fosse um monte de pequenos países, cada qual com suas características: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná Macunaíma quebra essa imagem quando o herói segue de um lado para outro como quem atravessa uma rua. Tudo é Brasil. E o próprio autor explica como faz isso:
Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas. Assim desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo tempo que conseguia o mérito de conceber um Brasil como entidade homogênea é um conceito étnico nacional e geográfico.1
Não é por mero ufanismo que a obra merece ser lida. Mereceria mesmo que fosse algo relacionado com lendas australianas, japonesas ou mexicanas. O que vale a pena mesmo é atentar ao fato de como um escritor do início do século passado conseguiu dar conta de algo que muitos ditos “modernos” simplesmente não conseguem: inovar, manter-se atual mesmo com o passar dos tempos, e tudo isso sem perder o senso de humor.
- ANDRADE, Mario de Macunaíma: O herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2008. pg. 220 [?]
Acabei que vi sua resenha pelo skoob e vi conferir por aqui. Vou começar amanhã, para ser mais precisa hehe, o livro, mas confesso que de tantos comentários negativos estou com medo mas aqui vou eu!
Adorei sua resenha e blog!!!