Eu tomo emprestada as palavras do Carlos Drummond de Andrade (em crônica publicada em 1974):
Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranqüilidade.
Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.
Bem-aventurados os que não têm a paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto.Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mães agravadas, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio.
Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia.
Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura.
Bem-aventurados os fotógrafos que trocaram a documentação do esporte pela dos desfiles de modas, pois não precisam gastar tempo infindável para fotografar o relâmpago de um gol.
Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e as segundas na virilha, como os atletas e assistentes ocasionais de peladas.
Bem-aventurados os que não conseguiram comprar televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois, assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento.
Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondar das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo.
Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho preparatório ou comemoratório.
Bem-aventurados os cegos, pois lhes é poupado torturar-se com o espetáculo direto ou televisionado da marcação cerrada, que paralisa os campeões, ou do lance imprevisível, que lhes destrói a invencibilidade.
Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado.
Bem-aventurados os que, entre a bola e o botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória.
Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra.
( …)
Tem dias que dá tanta, mas tanta vergonha da sua própria torcida, que você prefere ter nascido nos Estados Unidos, pensando que futebol é algo que se joga com bola oval e utilizando-se as mãos. Não tem explicação para aquilo que se viu ontem. Paixão a gente não explica, se tentasse racionalizar veria o quanto é imbecil causar tamanha destruição por conta de vinte e dois fulanos correndo atrás de uma bola. Mas não é o amor ao time que está em questão. O que está em questão é que não importa o quanto algumas pessoas digam que somos evoluídos e senhores desse planeta, somos a pior espécie por aqui. Porque estamos sujeitos ao tal do efeito manada, sabendo que poderíamos evitá-lo.
No mais, espero que encontrem os culpados. Se você esteve no jogo e tem imagens da barbárie, ajude a SESP a localizar os responsáveis por isso. Se você conhece ou tem informações de alguma dessas pessoas ligue para os telefones: 190, 181, 3284 – 6536 ou mande o e-mail : [email protected] e no link “fale conosco” do site da SESP. Sua identidade será mantida em sigilo.