Catatau é isso, uma experiência. Um “romance ideia”. É uma leitura diferente, com uma intenção diferente partindo do autor. Nas palavras do próprio Leminski: “O Catatau é o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, o fracasso do leitor em entendê-lo, emblema do fracasso do projeto batavo, branco, no trópico.”1
Por isso se você gosta de obras com enredos redondinhos, narrativas lineares e outras facilidades literárias, é melhor (infelizmente) passar longe do livro. Acredito que basta dizer que Catatau tem um só parágrafo para ter uma idéia do que estou falando. Mas se você vencer o “medo” de obras ditas “difíceis” (Joyce, Rosa, alguém?), eu devo dizer que a leitura é muito recompensadora, e a verdade é que lá pela página 30 você já pegou o “jeito” da coisa e lê sem qualquer problema.
Catatau surgiu de um estalo que Leminski teve enquanto dava aula de História. “E se Descartes tivesse vindo para o Brasil com Nassau?” O que vemos é exatamente isso. Temos Descartes (Cartésio) esperando Artiscewsky – no melhor estilo Vladimir e Estragon esperando Godot. Vemos o que Descartes vê, do jeito alucinado que ele enxerga o lugar onde está. A fala toda mescla diversas linguagens, numa tentativa de representar o que era a fala do Brasil na época. Neologismos diversos, além da utilização direta de tupi, latim, japonês, italiano, holandês, francês, grego, espanhol, inglês e alemão.
E mais do que brincar de forma brilhante com o sentido das palavras, é impressionante perceber o ritmo que ele dita durante a narrativa, que apesar de prosa em alguns momentos parecem poesia, é quase como se você estivesse lendo um dos haikais dele. E no meio de toda a confusão do pensamento da personagem, alguns momentos geniais com aquelas frases típicas do Leminski (por exemplo “Num universo impreciso, é preciso ser inexato, dizer sempre quase antes do dito.”). E é por isso que eu insisto na ideia da leitura de Catatau em voz alta, até para esse ritmo ficar mais óbvio, mais destacado.
O livro é realmente genial, e como falei anteriormente, vale a pena vencer o medo de não compreendê-lo . Como falou o próprio autor, “Dentro do Catatau, o leitor perde a mania de procurar coisas claras.”2 e o fato de mexer dessa maneira com quem lê a obra faz dela ainda melhor.É claro, tive a sorte de ler a edição crítica da Travessa dos Editores, que além do texto original ainda traz índice onomástico, estudo dos procedimentos neológicos, iconografia entre outros “detalhes” que no final das contas só ajudam a enriquecer a leitura. Uma pena que aparentemente essa edição está esgotada no momento.
oi anica!
aff… olha que ignorância literária: não sabia que o leminski escreveu romances tb, sempre achei que fosse apenas poesia.
teu post me despertou interesse no livro, com certeza.
ele escreveu contos também, muito bons aliás. vc pode encontrá-los na coletânea ‘o gozo fabuloso’
ler estes livros, como vc disse, difìceis e enfrentar a instabilidade dos significados e entrar no jogo da construção do sentidos no momento da leitura. E veja que eu disse construção DOS sentidos e não DO sentido. Super Valeu Anica…tenho que ler…tenho que ler….nem que aos poucos, como uma leitora normal 🙂 beijo