O bom poeta e o bom contista escolhem as palavras, são quase como cozinheiros que sabem qual ingrediente deve ficar fora ou dentro da receita. Não estou negando que exista inspiração, mas há um algo a mais por trás da criação, sim.
Veja o caso do poema One Art da Elizabeth Bishop, de caráter tão pessoal que acaba agradando a maioria daqueles que já o leram. Segue o poema:
The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Até a última estrofe ele segue na mesma toada, de como perder algo ou alguém não faz diferença. O leitor menos atento poderá inclusive terminar o poema com essa idéia. Mas ali, na última estrofe, a Bishop usa um ‘too’, que não usou em mais situação alguma.
Então, quando ela fala em perder a pessoa amada, já não é mais “tão” simples assim. Ela entrega as armas no final e deixa claro que sim, é uma droga estar sem essa pessoa por perto. Sinceramente, acho isso genial.
Outra poesia pela qual fiquei recentemente encantada é uma da Estrela Ruiz Leminski (que vocês podem conhecer melhor clicando aqui). Acredito que é um bom exemplo da arte de dizer muito com poucas palavras.
mesmo sempre sabendo que
no dia que te conheci o mundo ficou da cor do
todos os momentos juntos eram exatamente como
naquele primeiro beijo eu senti que
cada espera tua dói como se
depois deste tempo ao teu lado eu vejo a
desde então
estou sem palavras
E isso que nem entramos no campo dos hai-kais…
Já no caso dos contos, a idéia continua igual (embora não conte com o ritmo): muito com pouco. É só ver o caso do Poe, e do que ele faz em contos como Coração Denunciador. A escolha do narrador em primeira pessoa, que já no começo vem se defender dizendo não ser louco e que então, para justificar sua “razão” descreve passo-a-passo o que fez com o velho que ele sequer odiava.
A frieza com que o assassino conta a história serve para potencializar o horror da situação. Como por exemplo, quando ele descreve a rotina que seguia antes do assassinato. Chega uma hora que ele comenta o ato de entrar no quarto do velho com a seguinte frase:
“Levava uma hora para colocar a cabeça inteira além da abertura”
Uma hora… mais uma vez, o leitor mais desatento perde exatamente um dos indícios da loucura do narrador. Dá para imaginar, um sujeito levar uma hora para colocar a cabeça além da abertura da porta? Aliás, dá para imaginar o susto que você levaria ao acordar e ver um fulano movendo lentamente para dentro do seu quarto?
É, não tem outro termo que não seja o “genial”. Sei que muitos poetas e muitos contistas não conseguem sair tão bem nessa tarefa ingrata, mas eu realmente tiro o chapéu para os que conseguem não só sair do problema (o fato de ter algo que deve ser breve em mãos), mas que ainda conseguem superar o problema com maestria, entregando para nós trabalhos que serão lembrados por muito, muito tempo.
Então, da próxima vez que for um poema ou um conto, lembre disso: detalhes. A beleza está ali. Não seja tão afoito em uma leitura, porque nem sempre o escritor entrega o ouro de forma óbvia. E sim, a descoberta desses pequenos detalhes poderão ser bastante gratificantes para você.
Eu particularmente sou traumatizada, não consigo ouvir o nome da Elizabeth Bishop sem um embrulho no estômago. Nem por culpa dela, coitada, mas por causa de uma professora infeliz que tive na faculdade… =/
Nem com Pink Dog o embrulho passa? É uma poesia tão linda sobre misplacement ;(