Ah, finalmente consegui ler Os Filhos da Candinha, do Mario de Andrade!! Estou correndo feito louca atrás dessa reunião de crônicas desde que o Benito comentou de uma em questão, chamada “Esquina”.
Li por causa de uma crônica mas me encantei por todas as outras. São todas atualíssimas, fantásticas. O texto flui deliciosamente, como se ele estivesse falando sobre coisas do cotidiano em uma mesa de bar. Experiência maravilhosa mesmo.
Como não quero encrenca para meu lado, vou respeitar as leis de direitos autorais e postar só um trechinho de “Esquina” aqui. Na verdade é *o* trechinho, já que é justamente o que o Benito comentou na aula e que tanto sentido fez para mim. Não é maravilhoso quando você lê alguém que parece ler seus pensamentos? O Mário me conquistou para todo o sempre com esse livro.
Sem enrolações, segue o trecho:
“(…) Gasto mais da metade do meu ordenado em veneno contra as baratas. Vivo sem elas, mas só eu sei o que isto me custa de energia moral. Altas horas, quando venho da noite, há sempre uma, duas baratas ávidas me esperando. Se abro a porta incauto, perdido nos pensamentos insolúveis desta nossa condição, isso elas dão uma corridinha telegráfica, entram e tratam logo de esconder, inatingíveis. Eu sei que, feito de novo o escuro no apartamento, elas irão morrer se banqueteando com os venenos que me custam metade do ordenado. Mas me vem uma saudade melancólica dos meus ordenados inteiros, dos livros que não comprei, dos venenos com que não me banqueteei. Pra dar banquete às baratas. Às vezes me pergunto: por que não mudo desta esquina?…
Mas sempre o meu pensamento indeciso se embaralha, e não distingo bem se é esquina de rua, esquina de mundo. E por tudo, numa como noutra esquina, eu sinto baratas, baratas, exércitos de baratas comendo metade dos orçamentos humanos e só permitindo até o meio, o exercício de nossa humanidade. Não é tanto questão de mudança. Havemos de acabar com as baratas, primeiro.”