“Tímida Violetta…” “ou, A Princesa que Fazia o que Queria”
Há muito, muito tempo, antes do Sol e da Lua se separarem, havia um rei e uma rainha tristes por não terem filhos. Numa noite de verão, quando a Rainha não conseguia dormir com os suspiros de seu marido, ela foi ao jardim sozinha. Lá, onde ela havia regado tanto o solo com suas lágrimas, a Rainha encontrou uma criança. Uma menininha perfeita.
O coração da Rainha disse a ela que a criança era sua filha querida. Ela arrancou o bebê de seu berço de folhas e acordou o Rei. Porque os olhos da princesinha era de um púrpura tão maravilhoso, e sua pele suave como pétalas, ela foi chamada Violetta.
Agora, no país governado pelo Rei e pela Rainha, muitos seres magníficos se reuniram. Quando o casal real fez os planos para o batizado, mensageiros levaram e espalharam o convite para longe, chamando todos para a celebração.
“Que coisinha bonita ela é!”, murmurou o Homem dos Casos, quando Violetta se sentou em seu colo, sem temer seus olhos brilhantes. Ele deu à ela um rubi e disse a sua mãe:
“Deixe que a princesa leve essa pedra em sua boca quando crescer, e muitos príncipes desejarão desposá-la.”
“Que coisinha bonita ela é!”, suspirou o Homem das Escamas, quando Violetta não se encolheu ao toque de sua mão fria. Ele deu à ela uma esmeralda, e disse a sua mãe:
“Deixe que a princesa use esta pedra em seu pescoço e muitos reis desejarão desposá-la”.
“Que coisinha bonita ela é!”, sussurrou o Homem de Cristal quando Violetta tocou seu rosto ao ver sua imagem refletida. Ele deu à ela um pente e um espelho de cristais, e disse à sua mãe:
“Deixe que a princesa se sente em frente ao espelho e penteie seu cabelo todas as manhãs e, quando ela envelhecer, sua beleza trará imperadores e heróis aos seus pés”.
A celebração continuou noite adentro, até os convidados partirem e o Rei e a Rainha colocar sua querida Violetta para dormir. Assim que deixaram o quarto, uma velha enrugada se arrastou debaixo do berço de Violetta. A anciã estava furiosa porque não havia recebido um convite formal para a festa, mesmo sendo a própria irmã da Rainha e vivendo no castelo com ela.
Mas a Rainha nem mesmo sabia que sua irmã era uma bruxa. E que bruxa poderosa ela era. Em volta do berço, a anciã caminhou com as pernas abertas, girando em seu pé esquerdo a cada três passos. Então ela bateu o pé e gritou:
“Aqui está um presente para Violetta, a coisinha bonita! Quando ela bater o pé e desejar, todos os seus desejos se realizarão”.
Depois dessas palavras estranhas, a velha sumiu numa nuvem de fumaça e nunca mais foi vista.
Anos se passaram e Violetta se tornou uma mulher. Toda manhã ela se sentava por horas na frente do espelho, penteando-se. Ela sempre sorria para a linda criatura que via refletida. Então, ela colocava o rubi em sua boca e a esmeralda em seu pescoço. Pendurava a esmeralda entre seus seios e deixava o quarto para andar pelo castelo.
O rubi pesava em sua língua, mas era um peso confortador. Quando pensamentos ruins vinham à sua mente, a pedra ficava mais pesada, prevenindo-a de dizer palavras das quais se arrependeria. A esmeralda esfriava seu coração, mas ela não se importava com o frio. Quando algum dos pretendentes olhava ou tocava Violetta de um modo que ela não gostava, o frio a acalmava.
Isso a fazia se sentir como se fosse outra pessoa: uma princesa de verdade, impenetrável à raiva, vergonha, e à curiosidade imperinente. É de se espantar que uma donzela abençoada com tanta beleza, charme e dignidade fosse objeto de milhares de pretendentes?
Assim como os benfeitores de Violetta haviam predito em seu batismo, inúmeros príncipes e reis pediram a sua mão. Imperadores e heróis se ajoelharam perante ela, pendindo, esperando que a linda menina aceitasse a proposta.
Então, numa manhã, a princesa ainda não havia sentado na frente de seu espelho e deu as costas para ele. Ela tinha vomtade de ver a floresta, onde seu pai e os pretendentes iam caçar a corça veloz e a raposa esperta.
“Sou bonita o bastante para alegrar as árvores”, disse para si. “E eu vou tomar cuidado para não encontrar ninguém”.
Ela se vestiu como achava que uma filha de lenhador se vestiria, com uma roupa que usou em uma festa à fantasia. Ela deixou a esmeralda e o rubi em seu porta-jóias, porque não achava que encontraria ninguém na floresta. Violetta deixou o castelo sem que o guarda percebesse. Ela entrou na floresta e encontrou ninguém.
Em silêncio, ninguém e a princesa conversaram sobre muitas coisas. Quando finalmente o sol começou a se pôr, e as sombras das árvores se esticaram, Violetta percebeu que já era hora de voltar ao castelo.
“Precisa ir?”, ninguém perguntou, falando em voz alta pela primeira vez.
A voz de ninguém assustou a princesa, porque parecia muito com a sua própria. Isso a assustou tanto que ela não ousou ficar para saber que outras perguntas ninguém faria. Ela correu rapidamente pela floresta escura de volta ao castelo e lá encontrou o portão fechado para a noite.
Ela chamou o vigia, mas ele não a deixou entrar. Ele não acreditou que ela era, como dizia, a princisa Violetta.
“Nossa princesa fica mais bonita a cada dia que passa”, ele disse, ” E você só é tão bonita quanto ela era ontem. Você é uma bruxa que roubou sua forma e não a deixarei entrar”.
Então, Violetta ficou arrogante e prometeu que o vigia seria punido se não a deixasse entrar.
“Não”, disse o vigia, “Porque você obviamente não é a princesa Violetta. Nunca em sua vida a coisinha linda disse algo mal-educado”.
“Tenha piedade!”, Violetta gritou. “Ouço um barulho na floresta. Pode ser um lobo que me seguiu e está vindo me devorar”.
Mas ela sabia que nenhum lobo a havia seguido da floresta.
“Deixe-me entrar”, ela gritou aterrorizada. “Acredite em mim! Sou Violetta”.
“Acho que não”, sorriu o vigia. “A princesa não imploraria nem se o próprio demônio em seu encalço. A coisinha linda preferiria morrer a comprometer sua dignidade. Além disso”, ele concluiu, “Não há lobos na mata. Então siga se caminho, bruxa, ou soltarei os cães sobre você”.
Os lábios rubros de Violetta empalideceram e tremeram. Seus olhos faiscaram. Pela primeira vez em sua vida, ela estava enfurecida. E, pela primeira vez em sua vida, ela bateu o pé. A lua sobre ela ficou da cor de sangue, mas ela não viu isso. Lábios frios tocaram sua orelha e, em sua fúria, ela não o sentiu.
“Coisinha linda!”, ela gritou. “Coisinha linda! De hoje em diante ninguém me terá como coisinha linda!”
“Seja feita sua vonta”, disse ninguém.
E levou Violetta embora.
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Essa historinha muito bacana saiu em “Os Livros de Magia – Transformações” e é de John Ney Rieber.
Eu às vezes acho que preciso de um rubi desses para colocar na boca…