O fato é que “V de Vingança” é um dos melhores exemplos de química perfeita entre texto e arte (de Alan Moore e David Lloyd). Ok, é até meio banal ficar aqui elogiando o texto do Alan Moore, qualquer um que tenha lido duas ou três linhas dele sabe que ele manda muito bem. Mas o legal é perceber a forma como a arte do Lloyd se encaixa com o texto, como por exemplo no finalzinho, quando a Evey vê seu reflexo no espelho… e sorri. É O SORRISO DO V! Achei aquilo tão bacana!!
É complicado falar mais sobre “V”, já que a história é uma verdadeira montanha russa, e qualquer coisa que eu comentasse aqui poderia estragar a surpresa de quem ainda não conhece, então vou falar só sobre a premissa de “V”: a história é situada em um futuro imaginário (e bem próximo – 1998), onde os ingleses vivem uma situação de pós-guerra no melhor estilo 1984.
O texto nesse caso mostra seu valor mais uma vez: mesmo que tenha sido escrito na década de 80, continua atualíssimo, principalmente no que diz respeito a autoridades e seus podres poderes. Eu não deveria, mas vou fechar isso aqui com um dos melhores trechos da história: a conversa de V com a Estátua da Justiça.
Olá, formosa dama.
Linda noite, não?
Perdoe-me a interrupção. Talvez a senhorita pretendesse passear… apenas desfrutar a paisagem.
Não importa. Creio que é chegado o momento de termos uma breve conversa.
Aah! Eu me esqueci de que não fomos devidamente apresentados…
Não tenho um nome, mas pode me chamar de “V”.
Madame Justiça… este é V.
V… esta é Madame Justiça.
Olá, Madame Justiça.
“Boa-noite, V.”
Pronto. Agora já nos conhecemos. Para ser sincero, outrora fui admirador seu. Oh, eu sei o que está pensando…
“O pobre rapaz tem uma queda por mim… uma paixão juvenil!”
Perdoe-me, madame, mas não se trata disso.
Eu a admirei por muito tempo… embora sempra à distância. Quando criança, eu a contemplava das ruas lá embaixo.
Indagava a meu pai: “Quem é aquela moça?” e ele respondia: “É a Madame Justiça”. Ao que eu emendava: “Como é bela!”
Por favor, não pense se tratar apenas de atração carnal! Sei que não é esse tipo de mulher. Eu a amava como pessoa, como ideal!
Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra…
“O quê? Que vergonha, V! Traindo-me com uma meretriz de lábio pintado e sorriso vulgar!”
Eu, Madame? Permita-me divergir. Foi sua infidelidade que me lançou aos lábios dela.
Ahá! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Ledo engano! Eu sei de tudo!
Na verdade, não me surpreendi quando soube que flertava com um homem de uniforme!
“Uniforme? E-eu não sei do que está falando! Sempre foi você, V… o único em minha…”
Mentirosa! Meretriz! Messalina! Ousa negar que se deixou envolver por ele, suas braçadeiras e botas?
Ah! O gato comeu sua língua?
Foi o que pensei.
Muito bem! Afinal, a verdade se revela. Você não é mais minha justiça. É a dele. Deitou-se com outrem.
Bem, eu posso fazer o mesmo.
“Snif! Snif! Q-quem é ela, V? Como se chama?”
Seu nome é Anarquia. E, como amante, ela me ensinou mais do que você.
Com ela, aprendi que, sem liberdade, não há sentido na justiça. É honesta. Sem promessas, e nem deixa de cumpri-las como você, Jezebel!
Eu vivia me indagando porque você nunca me olhou nos olhos. Agora eu sei.
Assim sendo, adeus, cara dama. Eu estaria entristecido por nossa separação caso ainda fosse a mulher que amei outrora.
Eis um último presente que deixo a seus pés.
As chamas da Liberdade! Que adorável… Quanta justeza, minha preciosa Anarquia…
“Ó Beldade, até hoje eu te desconhecia!”