Observação: A Ilíada está entre os livros que mais me traumatizaram em uma primeira leitura. Eu nunca me senti tão burra na minha vida quanto no momento em que comcei a ler os versos “Canta-me a cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Pelida,/causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta/e de baixarem ao Hades as almas de heróis numerosos”.
Ler a tradução em versos é um verdadeiro exercício, mais além: um desafio. Por volta do Canto III ou IV a pessoa já se acostuma com a linguagem e aí segue mais tranqüilo. Mas o começo é pesado *mesmo*.
Eu sempre sugiro a tradução do Carlos Alberto Nunes, que saiu pela Ediouro. O trabalho de tradução dele é excelente, sem cair nos “Auroras rosidáctilas” do Odorico Mendes.
Com relação a história, gosto muito mais da Odisséia do que da Ilíada. Porém, é com a Ilíada que temos as várias cores da cultura grega. É realmente um espelho do comportamento, credos e conceitos da época. É a partir disso que tracei esse paralelo entre os conceitos de Morte e de Heroísmo na Ilíada.
OS HERÓIS E A MORTE NA ILÍADA
Na aristocrática Grécia descrita por Homero na obra A Ilíada, os conceitos de Morte e Heroísmo achavam-se intimamente ligados, dado que em inúmeras vezes é o comportamento diante a morte que distingue o guerreiro comum do herói.
O herói era uma espécie de escolhido. Pertenciam aos grupos de governantes ou proprietários de terras, algumas vezes eram filhos de deuses, comportava-se honradamente, tinha boas maneiras, era belo e vaidoso, além, evidentemente, de ser perfeito no manejo das armas. Entretanto, em diversas vezes não seriam heróis acaso não tivessem encontrado a situação fatal e agido de forma corajosa diante da mesma. É o próprio Homero que define como corajoso aquele que não teme a morte (Ilíada, XIII, 284-7).
O exemplo ideal de herói é Aquiles, que desde o início pôde escolher entre viver como uma pessoa comum, mas por um longo período, ou morrer jovem, mas ser inesquecível. Escolhera morrer em batalha, pela pátria, de tal forma que esperava pela bela morte, a morte gloriosa e mostrava indignação diante uma morte comum, como no caso em que estava preste a se afogar, dizendo preferir ser assassinado por Heitor, que ao menos era heróico como ele (Ilíada, XXI, 279-83).
Um fator de destaque que comprova a importância da morte na formação do herói é a importância que os guerreiros dão a sua armadura, e até mesmo para a aparência, quando nas batalhas. Homero por muitas vezes tende a fazer um contraste entre o belo e o bélico, usando termos como “a pele macia em retalhos deixará”, “cruel bronze atingir-lhe a epiderme macia”, ou ainda “tomba de bruços, ressoando sobre ele a armadura brilhante”, e também o recurso da símile, às vezes quadros longos que saem de uma cena de guerra para uma bucólica, comparando os atos do guerreiro a ações de animais, ou fenômenos da natureza.
É certo então, que para os heróis, a verdadeira morte era a velhice, o esquecimento e a covardia. Por outro lado, estar vivo era ser endeusado, lembrado com grande admiração, possuindo glória imperecível. Um bom exemplo para a glória conquistada está na morte de Pátroclo. Sendo seu oponente Heitor, um guerreiro de incontestável valor, sua morte foi sentida não apenas pelo grande amigo Aquiles, mas por todos os aqueus (Ilíada, XXIII, 1- 16). Os rituais fúnebres de Pátroclo são de certo modo singulares, uma vez que Aquiles propõe jogos fúnebres, imolação de doze troianos aristocratas e banquete. Ainda com relação aos ritos fúnebres, Homero utiliza-se da morte de Pátroclo para descrever a importância do sepultamento, e mais do que isso, uma descrição clara do que aparenta o Hades para os gregos (Ilíada, XXIII69-106).
É nesse momento que Pátroclo fala do rio Styx, ou Estige, que dividia o mundo dos vivos do mundo dos mortos e possuía todas as angústias das almas. Nesse mesmo rio Tétis banhou Aquiles para torná-lo invulnerável. Os mortos eram conduzidos por esse rio pelo barqueiro Caronte, chegando então às portas de Hades. A menção de Pátroclo, de que não podia atravessar ainda as portas amplíssimas do Hades sugere não apenas que há uma além vida, mas uma espécie de limbo, porém de curto período, para os gregos.
Aquiles, que tivera a visão do amigo, ainda descreve como seria o Hades. É importante perceber que o Hades estava longe de ser o que imaginamos como Inferno, era apenas um lugar onde viviam almas e imagens dos vivos, mas sem alento (Ilíada, XXIII, 103-4). Era uma espécie de reflexo opaco da vida terrestre, sendo que apenas depois surgiram os conceitos de recompensa para os bons e castigo para os maus, e a divisão do Hades em Campos Elísios (onde os bons bebiam do rio Lethe, o rio do esquecimento), Tartarus (região para onde iam os maus) e Campina Asphodel (para onde iam os neutros).
Por fim, torna-se difícil através de traduções em português reconhecer quando Homero cita a morte como figura de linguagem, deidade (aqui seria o deus Tanatos) ou apenas como um fato. Mas a insistência de Pátroclo em lembrar Aquiles que sua morte estaria para chegar, deixa claro que para Homero, certo era apenas o Destino do herói, e não sua morte.
essa peça é chocante pois retrada umas coisas sobrenaturais 😐 :hug:
Ah, mas a versão de Odorico Mendes é tão poética…A Ilíada é poesia, e deve ser lida como tal.