Como eu tinha prometido, vou explicar a relação entre Os Argonautas do Caetano Veloso e o Mensagem, do Fernando Pessoa. Para começar, aí vai a letra da música do Caetano:
Os Argonautas
o barco, meu coração não aguenta
tanta tormenta
alegria, meu coração não contenta
o dia, o marco, meu coração
o porto, não
navegar é preciso
viver não é preciso
o barco, noite no teu tão bonito
sorriso solto perdido
horizonte, madrugada
o riso, o arco, da madrugada
o porto, nada
navegar é preciso
viver não é preciso
o barco, o automóvel brilhante
o trilho solto, o barulho
do meu dente em tua veia
o sangue, o charco, barulho lento
o porto silêncio
Além, é óbvio, da menção ao mar (que é uma constante em Mensagem), fica claro o conteúdo sebastianista da letra, tal como acontece no livro de Pessoa. Só para comparar, aí vai uma poesia da segunda parte de Mensagem, Mar Português:
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Como dá para perceber, ambos os textos falam sobre correr atrás dos sonhos, de não viver na letargia. Segundo o Marcelo, o Caetano em entrevista certa vez contou que ele com sua música queria ser o D. Sebastião do Brasil. É interessante isso, porque em nosso seminário foi levantada a hipótese de Pessoa ter a mesma intenção com Mensagem, já que ele deixa claro que quer resgatar as glórias de Portugal (dos tempos das navegações), através da cultura.
Só para não deixar o negócio incompleto, D. Sebastião em Mensagem é apresentado tal como ficou conhecido pelo povo por conta da poesia do Bandarra, sapateiro que criou o mito de que D. Sebastião um dia retornaria para fazer de Portugal o Quinto Império.
Além dessa conotação de resgate de glórias, D. Sebastião em Mensagem também representa a loucura como virtude. Na primeira parte, O Brasão, Pessoa além de colocar D. Sebastião nas Quinas (lugar reservado aos que representam a alma da nação), também termina o poema dedicado a ele da seguinte maneira:
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Como disse, é uma espécie de elogio à loucura. Seria essa loucura (aqui no sentido de meta impossível de conquistar, mas mesmo assim perseguida) que nos difereria dos animais e nos dá impulso para viver.
Resumindo, eu “tive” que ler Mensagem por causa da aula de Literatura Portuguesa, mas é o tipo de livro altamente recomendável, principalmente para aqueles que já sabem um pouco da história de Portugal (aos que não sabem, a leitura vai custar algumas pesquisas sobre as figuras históricas).