O meu fascínio por ritos me faz suspeitar que, numa outra vida, é possível que eu tenha sido um sacerdote ou um feiticeiro. Hoje, pouca gente sabe o que são. Um rito acontece quando um poema, achando que as palavras não bastam, se encarna em gestos, em comida e bebida, em cores e perfumes, em música e dança. O rito é um poema transformado em festa!
Escrevo hoje para os que casam, por medo de que, fascinados por um rito, se esqueçam do outro… Porque, caso não saibam, é desse outro rito, esquecido, que o casamento depende.
… Muitas são as promessas que os noivos podem fazer: prometo dividir meus bens, prometo não maltratá-la, prometo não humilhá-lo, prometo protegê-la, prometo cuidar de você na doença. Atos exteriores podem ser prometidos. Assim se fazem os casamentos, com pedra, ferro, cimento e amor. Mas as coisas do amor não podem ser prometidas. Não posso prometer que, pelo resto da minha vida, sorrirei de alegria ao ouvir teu nome. Não posso prometer que, pelo resto da minha vida, sentirei saudades na tua ausência. Sentimentos não podem ser prometidos. Não podem ser prometidos, porque não dependem de nossa vontade. Sua existência é efêmera. Só existe no momento. Como o vôo dos pássaros, o sopro do vento, as cores do crepúsculo. Esse é um rito de adultos, porque somente os adultos desejam que o futuro seja igual ao presente.
… O outro ritual se faz com o vôo das aves, com a água, espuma e bolhas de sabão. Secreto, para ele não há convites… Não há convites, nem lugar certo, nem hora marcada: simplesmente acontece… Não precisa de altares: sempre que ele acontece o arco-íris aparece: a promessa de Deus, porque Deus é amor. Pde ser a sombra de uma árvore, um carro, uma cozinha, um banco de jardim, um vagão de trem, um aeroporto, uma mesa de bar, uma caminhada ao luar.. Não há promessas para amarrar o futuro. Há confissões de amor para celebrar o presente.
… “Ego conjugo vobis in matrimonium”, diz um velho com rosto de criança.
…”Que o sorriso de um seja, para o outro, festa, fartura, mel, peixe assado no fogo, coco maduro na praia, onda salgada do mar… Que as palavras do outro sejam tecido branco, vestido transparente de alegria, a ser despido por sutil encantamento. E que no final das contas e no começo dos contos, em nome do nome não dito, bem-dito, em nome de todos os nomes ausentes e nostalgias presentes, de ágape e filia, amizade e amor, em nome do nome sagrado, do pão partido e do vinho bebido, sejam felizes os dois, hoje amanhã e depois…”