Um dos pontos altos de Jack o Estripador é o modo como o autor consegue nos transportar para a Inglaterra Vitoriana, mesclando fatos sobre os assassinatos e as investigações com o dia-a-dia dos envolvidos (algo que também gostei no texto da Cornwell). Não é uma mera descrição fria de detalhes até perturbadores (se formos pensar especialmente nas descrições das vítimas), mas um texto montado de tal forma que pequenas informações te fazem lembrar uma das principais razões para Jack não ter sua identidade revelada: era a mente de alguém do século XX contra uma polícia que na realidade parecia pertencer ao século XVIII: impressão digital, amostra de sangue e outras pistas que hoje são lugar comum em qualquer investigação hoje sequer existem. Junte a isso um lugar superpovoado, com iluminação fraquíssima e temos o cenário perfeito para que Jack o Estripador cometesse seus crimes.
Inicialmente há pouca novidade no livro para quem já consultou informações sobre o assassino em documentários, livros ou mesmo no site casebook. Schmidt foca sua pesquisa principalmente nas vítimas consideradas canônicas, acrescentando aí informações sobre o andamento das investigações, como a pressão sofrida pelos policias para que descobrissem logo a identidade de Jack. Mas logo então começa a surgir algo inesperado, pelo menos para mim. Schmidt considera a carta “Dear Boss” (a primeira assinada como Jack the Ripper, responsável de certa forma pelo apelido do assassino) como algo forjado, um hoax. Não preciso nem dizer que parte da minha surpresa vem justamente do fato de que a pesquisa de DNA realizada por Cornwell tomava quase todas as cartas como verdadeiras, certo? Foi aí que comecei a entender a desconfiança da Kika.
Para Schmidt, se há alguma certeza de autoria é principalmente na carta From Hell, assinada como “Catch me if you can” (renegando o apelido dado pela mídia?) e com um inglês cheio de erros ortográficos e péssima caligrafia. Aliás, falando em “From Hell”, gostei também como o autor não deixou de lado o que foi publicado mais recentemente sobre os crimes de Whitechapel, incluindo aí a graphic novel do Alan Moore (e algumas citações do autor, diga-se de passagem) assim como do filme. Digo isso porque às vezes a sensação que temos quando pegamos algo sobre Jack para ler é de que o autor fala como se fosse o primeiro a publicar algo sobre o assunto, o que obviamente não é o caso.
Por outro lado, duas coisas me incomodaram um tanto no texto de Schmidt. Logo na introdução ele diz “O problema com a maioria dos trabalhos sobre o Estripador é que seus autores têm candidato à identidade do assassino, e distorcem os fatos para fazer valer as suas teorias, em geral publicadas com pretensiosos subtítulos do tipo “a solução final”, “caso encerrado”, ” a verdadeira história”, etc.“. Bom, e qual é o subtítulo do livro? “A verdadeira história, 120 anos depois“. Achei um tanto incoerente, mas de fato, há de se reconhecer: Schmidt não quer apontar um favorito a culpado, mas contar os fatos que recolheu sobre os crimes, deixando para o leitor juntar as peças como achar melhor – embora eu tenha sentido uma tendência a seguir a teoria de Abberline sobre a identidade do serial killer, aliás, ele parece respeitar bastante o trabalho do investigador, é um dos poucos envolvidos com o caso que ele trata com admiração. Fica aí também o crédito para a parte do livro mostrando a galeria de suspeitos, com informações sobre quem acusa (livro publicado, ano, etc.) e quais os prós e contras da teoria – é realmente uma busca para se manter imparcial sobre o assunto, embora sim, ele desanque a Cornwell.
Outro incômodo foi sobre alguns termos utilizados pelo autor. Vi na orelha do livro que ele estudou em Nova York e trabalhou como tradutor (o que significa um bom conhecimento da língua inglesa), mas tem alguns momentos que não sei, soa meio estranho para quem lê em português. Lembro aqui de um exemplo, de uma das vítimas ter como apelido “Ginger (qualquer coisa)”, e aí a explicação é “por causa de seus cabelos cor de gengibre”. O gengibre é amarelo. O cabelo “ginger” é ruivo. Talvez a explicação ficasse melhor se colocada como “por causa de seus cabelos ruivos”. De qualquer forma, esta sou eu sendo chatonilda, eu sei, voltemos ao livro em si.
Sei que a falta de uma conclusão definitiva pode ser um pouco frustrante para algumas pessoas (dia desses li um cara reclamando de Zodíaco pela falta de uma conclusão mais óbvia, por exemplo), mas eu gostei do formato do livro até por causa disso. É como se Schmidt nos entregasse os arquivos da Scotland Yard e falasse “ok, tire suas conclusões”. Por enquanto, a única conclusão que cheguei é que na época dos crimes os culpados eram sempre de outro país (a teoria sobre o Prince Albert surge ali na década de 60, por exemplo). Judeus, russos, americanos. Há algo de intrigante nisso, de como Jack acaba personificando o medo do diferente.
No mais, foi realmente uma boa leitura (e benzadeus, me destravou dessa fase de livros não terminados). Tem, além do texto, várias imagens dos envolvidos no caso, das cartas, mapas e representações da Londres da época. Sei que sou suspeita para falar porque tenho um fraco pelo período vitoriano, mas poderia ser até um trabalho de ficção e eu teria gostado do mesmo jeito do livro.
MInha teoria para a capa é que é coisa da editora… mas que bom que vc gostou do livro ^^
Também acho isso, Kika. Até porque vai contra justamente o que ele diz na introdução e depois nos outros capítulos. Mas eu gostei do livro independente disso =D Agora temos que marcar outra harmonização para eu devolver pra vc =P