Ok. O negócio é que eu realmente não esperava o que acabei encontrando ali. E digo isso de forma positiva. Eu achava que a narrativa já partiria do sumiço de Bernadette e da investigação pela personagem, mas vão lá páginas e páginas do livro em que ela ainda está lá, vivendo com a filha Bee e o marido Elgin em uma casa bizarríssima que na realidade era um internato abandonado. Nesse primeiro momento, o que prendeu minha atenção à história foi uma vontade incontrolável de que algo muito ruim acontecesse com as “gnats”, as mães das colegas de escola de Bee, especialmente Audrey, que parecia até uma daquelas personagens caricatas de comédias que envolvem uma relação complicada entre vizinhos: pense em uma mulher que chega a inventar que foi propositalmente atropelada, ou que invade o quintal da vizinha por causa de plantas que estão invadindo seu terreno. É a dondoca típica, que tenta ganhar um espaço importante na comunidade a qualquer custo, e não consegue compreender por que Bernadette não dá a mínima para esse tipo de coisa (portanto, transformando Bernadette em inimiga).
É no auge do conflito entre Bernadette e Audrey que você se dá conta do que Maria Semple estava fazendo com esse primeiro movimento. Não era só criar uma razão para o sumiço de Bernadette, mas nos apresentar à personagem de tal forma que acabamos nos encantando por ela e, pelo menos no meu caso, nos identificando – com uma certa dose de culpa, convenhamos, porque Bernadette não é bolinho. Acho que percebi que estava totalmente encantada pela personagem em uma carta de Elgin para os diretores da nova escola da Bee, onde ele contava a primeira e última vez que a filha esteve entendiada – quando ela e a amiguinha no carro ouviram como resposta de Bernadette: You think it’s boring now? Well, it only gets more boring. The sooner you learn it’s on you to make life interesting, the better you’ll be.
E mais e mais elementos vão chegando e aí entra naquela situação em que você não consegue mais abandonar o livro porque tem que saber se Bee reencontrará a mãe, ou ainda, qual rumo aquela história completamente maluca poderá tomar. Como Semple segue para o lado do humor, a leitura acaba sendo leve e gostosa, como aquela lembrança que temos de antigamente de filmes de Sessão da Tarde. Quando você lê um email de Bernadette não tem como não rir, mesmo quando ela comenta a situação mais banal como sua vida em uma cidade chuvosa como Seattle:
What you’ve heard about the rain: it’s all true. Sou you’d think it would become part of the fabric, especially among the lifers. But every time it rains, and you have to interact with someone, here’s what they’ll say: “Can you believe the weather?” And you want to say “Actually, I CAN believe the weather. What I can’t believe is that I’m actually having a conversation about the weather.” But I don’t say that, you see, because that would be instigating a fight, something I try my best to avoid, with mixed results.
Comentei no começo que a autora escreveu roteiros e acho esta informação relevante por conta de algumas passagens do livro, onde você enxerga claramente a influência deste trabalho anterior. Destaco principalmente duas: o aniversário de Kennedy na Space Needle e a transcrição da conversa com Bernadette no dia em que ela some. No primeiro caso, a discussão de família já seria por si só caótica, mas Semple adiciona também a voz de Kennedy e o resultado é que você praticamente consegue ouvi-los. O mesmo no segundo caso, mas aqui são as vozes de outras personagens misturadas à conversa de Bernadette e Elgin (e eu estou tentando evitar spoilers porque gostei de ir me surpreendendo conforme a leitura, mas aqui vai um de leve, caso não queira ler é só ir para o parágrafo a seguir).
Há outro ponto interessante que o modo como a narrativa consegue refletir tão bem o momento atual. Sim, isso pode ficar “datado” mais para frente, mas já disse antes que acredito que é um ambiente ainda pouco explorado por escritores, a nossa relação com a tecnologia. Não digo nem pelas várias e várias trocas de emails que o livro traz, mas por questões como o modo que sempre falam da apresentação no TED Talks de Elgin e seu projeto Samantha 2 (aliás, notem como a autora já traça um paralelo entre o modo de vida de Bernadette e a invenção de Elgin bem antes de Bee dizê-la com todas as letras ao confrontar o pai em determinado momento da história). O bacana é que Semple consegue ser atual sem saturar o texto com referências desnecessárias, a tecnologia é algo banal, como é para nós.
Mas o que mais gostei em Cadê Você Bernadette? foi a presença de um tema que me agrada bastante, a de como a mudança de ponto de vista em uma história pode oferecer uma ideia completamente diferente dos acontecimentos. Recapitulando: Bee está reunindo documentos para descobrir onde está a mãe. Eles são inicialmente organizados de forma cronológica, portanto o que sabemos é, basicamente: Bernadette vive para sua filha, Elgin vive para seu trabalho, Bee é uma garota extremamente inteligente, Audrey e a amiga Soo-Lin são completamente obcecadas por Bernadette. Mas os fatos vão mudando conforme vamos enxergando a história pelos olhos de outra personagem, ou da mesma personagem em outra situação. O exemplo mais forte que tenho disso está… (opa, outro spoiler)
Enfim, é divertidíssimo e uma sátira afiada sobre muitos elementos da atualidade (duvido que você leia a carta da professora falando sobre crianças traumatizadas e não comece a rir do absurdo da situação). É um daqueles casos de livro que parece pedir desesperadamente por uma adaptação para o cinema (e alguém obviamente já comprou os direitos, porque lá no IMDb consta como “in development“). Agora é cruzar os dedos para que realmente saia.
Fiquei interessada.
P.S.: Por algum motivo bizarro, nunca consegui ouvir o nome Bernadette sem rir. Ainda bem que não conheço nenhuma ou teria de ficar, o tempo todo, pedindo desculpas.
o meu problema com o nome é que da tilt. eu sempre digo bernaRdette hehe
mais um pra lista de vou ler 😛
na verdade, este comentario é mais pra começara receber atualizações do blog /o/
;D
Nao sei porquê tive dificuldade de imaginar a Bernadette com 50 anos.
eu também tive. acho que por me identificar demais com a bernadette acabava imaginando como alguém da minha idade ô.O