O que Umberto Eco faz com seu O Cemitério de Praga (lançado no Brasil pela Editora Record) é criar um romance usando como premissa justamente esse caráter misterioso e tom de teoria de conspiração que envolve Os Protocolos dos Sábios de Sião. É por si só um prato cheio para uma excelente trama, que não deve nada para aqueles que gostam de histórias que envolvam complôs, espionagens e outros elementos de narrativas similares.
O charme de O Cemitério de Praga é que as personagens de Umberto Eco realmente existiram. Tirando o narrador, toda a galeria de figuras que vão desde “Fröide” (sim, Freud) até o escritor Alexandre Dumas. São tantas personagens e tantos fatos históricos abordados nas páginas do diário de Simone Simonini que para o mais leigo sobre esse período é inevitável diversas pesquisas sobre essas figuras e momentos. Mas não pense que isso é um enfado: Eco as retrata de tal maneira que é realmente a curiosidade que leva o leitor a querer saber mais sobre isso.
A narrativa apresenta três pontos de vista diferentes, e nisso dá para dizer que um outro mistério se constrói além do que envolve Os Protocolos. Temos um narrador (texto em negrito), e além disso temos o diário de Simonini, que de quando em quando é “invadido” por um certo Dalla Picolla – parte da trama gira em torno de quem afinal de contas é Dalla Picolla, e como ele sabe dos segredos mais obscuros de Simonini (embora a realidade é que essa questão tem uma resposta bastante óbvia para quem está atento desde o início).
Outro fator positivo de O Cemitério de Praga são as descrições que Eco faz, tanto do espaço quanto – surpresa! – de comidas. Nos dois casos é quase possível se transportar para dentro da história (a abertura na qual o narrador descreve o lugar onde vive Simonini, por exemplo, é espetacular). Mas quanto à comida é um elemento importante porque faz parte de uma característica marcante de Simonini, um apaixonado pela boa mesa. A descrição dos pratos que devora mostra exatamente isso, o gosto que ele tem por comida, o prazer que tira disso. É um traço marcante de uma personagem que carrega consigo como outra característica um azedume que em alguns momentos beira ao cômico.
Talvez algo que se perca no fluxo da narrativa e que merece nota é a história de ódio que o livro carrega. O desprezo de Simonini por judeus, maçons e o que mais lhe surge na frente é, por si só, uma ótima alegoria para a estupidez do ódio que se nutre pelo desconhecido. Como esse ódio é em muito criado pela ignorância e, principalmente, como é perigoso. Acredito sim que O Cemitério de Praga funciona não só como um romance com uma trama eletrizante, mas também como um alerta, porque muito do comportamento de Simonini se repete nos dias de hoje.
Assim, O Cemitério de Praga não é exatamente um livro fácil, até porque a pluralidade de vozes, personagens e eventos acaba exigindo bastante do leitor. Mas é um desafio que é vencido de forma prazerosa, até porque Eco sustenta muito bem a narrativa, envolvendo o leitor no mistério e nos desdobramentos das ações de Simonini.
Esse foi meu primeiro livro do Umberto Eco, li em italiano, o que me tomou um tempo muito grande, principalmente nas primeiras trinta paginas, depois fluiu mais facilmente. Não resisti a ficar pesquisando no Google a cada nova situação e/ou personagem que era apresentado. O livro apesar de meio difícil me cativou, sua analise expressa bem o que eu também achei.