Já tinha ouvido falar em valter hugo mãe, apontado como um dos grandes nomes da literatura portuguesa do momento. Mas eu realmente não fazia ideia de que sua prosa teria tanta força, tanto esteticamente quando do ponto de vista dos temas que aborda (e como o faz). A comparação com José Saramago (outro lusitano) é inevitável, mas há de se fazê-la considerando como algo positivo. Não trata-se de autor sem talento querendo copiar um grande mestre. valter hugo mãe tem influência clara, mas estilo próprio.
O enredo em si é bastante simples. Somos apresentados a um senhor de seus 80 e poucos anos, um silva como qualquer outro. No início da narrativa, temos essa personagem enfrentando um dos momentos mais trágicos de sua vida, a perda da esposa, laura. Com isso, ele é levado a um asilo, onde passa a se relacionar com outros silvas e senhores de idade, vivendo dia após dia uma vida sem laura. A beleza do argumento de hugo mãe reside numa espécie de não-ação do protagonista, que em grande parte da narrativa está apenas a relatar conversas com médico e colegas.
Mas é nessas conversas que a obra ganha a atenção do leitor. Tudo é debatido ali, mesclado a falas e pensamentos, e de certa forma sempre tende à política. Mas especificamente à Portugal, como se Portugal fosse um velhinho em um asilo, em parte resignado com a ideia de que nada mudará em sua condição, por outro lado ansiando e esperando por algo novo nessa. O que é bem ilustrado por este trecho:
somos um país de cidadãos não praticantes. ainda somos um país de gente que se abstém. como os que dizem que são católicos mas não fazem nada do que um católico tem para fazer, não comungam, não rezam e não param de pecar.
E o curioso é o quanto disso se aplica ao nosso país, ao Brasil. E talvez por conta disso não seja necessário ser um especialista em história de Portugal para acompanhar o raciocínio que hugo mãe desenvolve, especialmente quando aborda o período do Estado Novo (mas fica o aviso: dá muita vontade de pesquisar sobre isso após a leitura do livro) ou quando mostra o sentimento de inferioridade que o português tem se comparado com os espanhóis, que de certa forma é o que dá título para o livro. Por conta dessas semelhanças, a base da crítica de hugo mãe serve para nós também, e acaba inclusive levantando uma questão para o leitor brasileiro, a de como somos parecidos quando nos achamos tão diferentes.
Sobre a obra confesso que fiquei com a dúvida do motivo pelo qual um único capítulo (por acaso, o que leva o mesmo título do romance) sai do esquema de minúsculas do autor e aparece com maiúsculas. Não sei se é algo da diagramação do texto, se no original é assim, e consigo pensar menos ainda em um sentido pelo qual isso acontece nesse momento. Não que isso afete qualquer coisa na obra, mas quando você se apaixona, todo detalhe conta, observamos o texto como sob uma lupa tentando extrair o máximo possível dele, por isso fica o mistério.
De qualquer modo, é simplesmente genial e imperdível, especialmente para aqueles de espírito questionador (e vá lá, para quem ficou meio órfão de Saramago). É sempre reconfortante saber que ainda existem grandes obras por vir, que ainda há muita coisa pela qual se encantar. valter hugo mãe com a máquina de fazer espanhóis entrou sem dúvidas na lista dos favoritos.
Em tempo: ilustração da capa e introdução por Lourenço Mutarelli.
esse livro me chamou a atenção justamente pela capa.
agora que vc elogiou tanto, vou atrás de ler 🙂
Vá sem medo que esse é realmente muito bom =]
Eu estou com muta vontade de ler esse livro, mas ainda não achei uma versão digital dele. Com a sua resenha fiquei ainda mais ansiosa pela leitura.
Pois sabe que é algo que tinha comentado com alguém dia desses no twitter: parece que a cosac não comprou a ideia dos ebooks ainda, né? O que é uma pena, porque eles têm bons títulos (isso para não falar dos livros grandões tipo Moby Dick heheh)