É por isso que dá para entender esse desejo de Gil de viver aqueles tempos. Porque deve ter sido simplesmente um daqueles momentos únicos para a arte, com tantas mentes brilhantes cruzando caminhos e trocando informações. O sujeito que sonha em produzir algo que faça diferença certamente deseja estar nesse meio, recebendo conselhos de pessoas que vê como mestres, exemplos. Somando a isso tem também o fato de que o presente de Gil era simplesmente chato: uma esposa que simplesmente não compreende suas vontades e com quem tem em comum o fato de gostarem de comida indiana. Preso entre viver na roda viva, escrevendo roteiros para Hollywood (o que dava dinheiro) ou desenvolvendo seu romance (o que daria satisfação pessoal).
Esse é o motivo pelo qual ao ver o carro antigo parando em sua frente logo quando um sino bate a meia-noite, Gil embarca quase sem nem pensar. E mergulha fundo nessa viagem, aproveitando o máximo possível o contato com os ídolos (como quando passa o manuscrito para Gertrude Stein avaliar), e se desligando cada vez mais do seu presente: o passado é muito melhor, pensa ele. O irônico é que é justamente a personagem pedante (muito bem interpretada por Michael Sheen) e antagonista que dá a resposta, embora nesse momento Gil não a perceba. É óbvio que o passado é sempre melhor. O presente tem dificuldades, tem momentos que não podemos simplesmente escolher não viver. E querer viver no passado é querer negar esse presente.
Partindo dessa premissa, Meia Noite em Paris é uma história muito boa, com diálogos bem alinhavados, ágeis. Tem muito daquele tom espirituoso de Woddy Allen, e é claro que a mescla com as referências torna tudo ainda mais delicioso. Um exemplo disso é quando Gil comenta com os surrealistas sobre a viagem no tempo, e eles sequer estranham, e aí ele diz “é, mas vocês são surrealistas, eu sou normal”. Ou ainda quando vê Gertrude Stein comprando um Matisse por 500 francos e aí brinca que gostaria de comprar alguns também.
Talvez o único porém para mim seja a personagem de Adriana, a amante de Picasso (interpretada por Marion Cotillard). O surgimento do interesse romântico é até óbvio e parte de todo esse processo em que Gil nitidamente deseja deixar o presente pelo passado. O problema é quando aparece a carruagem que leva o casal para a Belle Époque. O diálogo com Lautrec e os demais, que enfim mostram a verdade para Gil (que cada um tem preferência por algum momento do passado) pareceu que Allen meio que se rende e finalmente dá explicações para o público, quando no final das contas estava indo muito bem sem fazer isso. Somando ao fato da escolha de Adriana em permanecer naquele tempo, não sei, ela me pareceu um pouco descartável na trama, no final das contas.
Mas não é algo que chegue a estragar o filme, que é realmente muito gostoso. Daqueles que você sai do cinema relaxado, e louco para saber mais sobre as figuras que nele aparecem. Acabei de falar na Adriana, e fiquei curiosa querendo saber se ela existiu ou não, e bem, ela é inventada como o Gil. Tem um artigo muito legal que saiu no New York Times comentando sobre alguns dos artistas do filme, para quem lê em inglês vale a pena conferir.
E se isso tudo não é o suficiente, pense em ver muito, muito de Paris. Lindíssima em seus maiores momentos como a torre Eiffel iluminada, ou naqueles pequenos recortes do cotidiano. Dá vontade de pegar o primeiro avião e se mandar para lá. Vale a pena se deixar levar pela magia da Cidade Luz somada ao trabalho de Allen – é realmente de lavar a alma.
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